24.2.20

Resenha: O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald


A HISTÓRIA

Nick Carraway é um jovem de classe alta que decidiu se mudar durante o verão de 1922 para os arredores de Nova Iorque. Oficialmente, ele está ali para aprender mais da profissão de corretor de títulos, mas sua atenção e energia acaba sendo sugada para a vida glamourosa e misteriosa de seu vizinho.

Desde que chegou, Nick constantemente ouve falar sobre Gatsby, um bilionário que dá festas lendárias em sua mansão, mas que ninguém sabe de onde veio ou o que faz. Até que um dia ele recebe um convite para uma das confraternizações do vizinho e assim é introduzindo em um mundo de excessos e glamour, de diversão inacabável e desenfreada.

Gatsby é quase um deus para os frequentadores de suas festas, uma inspiração para quem busca o sucesso, mas não impressiona gente como Daisy, prima de Nick; o marido dela, Tom Buchanan; e a amiga do casal, a jogadora de golfe Jordan Baker. Daisy, Tom e Jordan são, como Nick, filhos da aristocracia tradicional, herdeiros da riqueza que construiu o país, jovens com dinheiro e poder para ter tudo o que desejarem.

É Jordan, inclusive, que desperta a desconfiança de Nick sobre Gatsby. Ela consegue ver algo estranho por trás do sorriso encantador e roupas impecáveis do novo-milionário. Mas Nick tem uma alma mais benevolente do que a dela e prefere acreditar em Gatsby, de quem se torna, inesperadamente, amigo e confidente. 

Nick está disposto a perdoar todos os defeitos de Gatsby, afinal, não perdoa a futilidade de Daisy, a arrogância de Jordan e a infidelidade de Tom? Mas, quando descobre que Gatsby está apaixonado por Daisy e esconde segredos muito mais profundos, Nick testemunha o castelo de cartas que o amigo tão cuidadosamente construiu ruir em um piscar de olhos.

A NARRATIVA

O Grande Gatsby é uma das obras mais celebradas do século XX. Publicado em 1925, se tornou uma das mais icônicas representações da "geração perdida" (jovens americanos que lutaram na Primeira Guerra Mundial e, depois, marcados por um sentimento de desesperança, engajaram no acelerado e festivo “loucos anos 20”, um tempo de festas extravagantes e novas tecnologias que, mais tarde, culminaram na Grande Depressão).

Nick Carraway é o narrador da obra, que conta a história do seu louco verão em primeira pessoa, quase em forma de um longo flashback. Por um lado, é o personagem perfeito para narrar a história, já que se considera uma pessoa honesta e tenta nos dar um panorama amplo do que aconteceu. Por outro, Nick é fruto da classe alta e encara toda a situação como uma pessoa criada na riqueza. Apesar de julgar severamente todos ao seu redor, ele tende a perdoar os defeitos dos ricos em especial.

“Todo mundo gosta de se atribuir ao menos uma das virtudes cardinais, e esta é a minha: sou uma das poucas pessoas honestas deste mundo.” Nick, a humildade em pessoa

Nick, no fim, é um narrador pouco confiável, já que parece cuidadosamente selecionar o que dizer e o que não dizer. Ele, por exemplo, é um amigo leal e nunca afirma que Gatsby está envolvido em negócios ilegais, mas deixa todas as pistas para tal conclusão nas entrelinhas. Nick também é um narrador que faz juízo de caráter, o que torna a leitura desafiante no sentido de que o leitor tem que se esforçar para não ser influenciado pelo narrador na hora de fazer seus próprios julgamentos.

Sendo Nick um narrador tão envolvente e manipulativo, é quase óbvio dizer que F. Scott Fitzgerald tem uma escrita brilhante. Ele faz os relatos de Nick e o próprio personagem parecerem reais com uma narrativa rápida, descritiva apenas em momentos específicos e com diálogos curtos, mas afiados. Os capítulos reduzidos também são essenciais para tornar a história tão rápida de ler. 

Contudo, Fitzgerald não é perfeito e, em alguns momentos, fiquei descrente da narrativa de Nick. Ele nos conta coisa que não teria como saber, mesmo tendo ouvido relatos de outras pessoas. Em tais momentos, quando fica borrado a linha entre um narrador em primeira pessoa e um narrador em terceira, onisciente, a obra perdeu um pouco da graça para mim, já que a narração soa falsa. 

Eu não estou convencida, mas podemos imaginar que, talvez, essa fosse a intenção do autor, nos fazer perguntar: será que Nick está sendo honesto ou está inventando tudo isso? De fato, O Grande Gatsby é um livro tão complexo que abre espaço para várias teorias quase que de conspiração. A minha favorita: Nick, na verdade, é Gatsby ou inventou a história sobre Gatsby para confessar o seu amor pela sua prima Daisy.

TEMÁTICAS DA TRAMA

O Grande Gatsby nos introduz ao glamour e a ruína da vida dos endinheirados americanos dos anos de 1920. A história em si não é muito movimentada ou das mais criativas. Como eu já tinha visto o filme de 2013 baseado no livro, o grande plot twist não me surpreendeu de maneira alguma. Mas, com uma narrativa tão intrigante e personagens complexos, a trama simples de Fitzgerald não se torna um problema.

“Tudo decorrera de forma descuidada e confusa. Eles eram todos descuidados e confusos. Eram descuidados, Tom e Daisy — esmagavam coisas e criaturas e depois se protegiam por trás da riqueza ou de sua vasta falta de consideração, ou o que quer que os mantivesse juntos, e deixavam os outros limparem a bagunça que eles haviam feito.”

Por um lado, as festas glamourosas e encontros fúteis regados a bebidas retratados em O Grande Gatsby nos encantam, por outro, o racismo de Tom, o machismo de todos os personagens masculinos e o destino trágico de Gatsby provocam sentimentos fortes e pouco positivos. A morte do “sonho americano” é o ponto principal da obra, mas o que mais me chamou atenção, quando contrastamos essa história escrita há quase 100 anos com o momento atual, é como desde aqueles tempos a desigualdade social é violenta e os muito ricos vivem impunes.

PERSONAGENS: AS MULHERES EM O GRANDE GATSBY

Narrados por Nick, temos acesso aos personagens de O Grande Gatsby apenas através dos olhos dele. Mas, mesmo por essa perspectiva tendenciosa conseguimos perceber a complexidade da maioria dos personagens. Algo interessante de notar é que Daisy e Jordan foram inspiradas em pessoas reais. Ginevra King, primeiro amor do autor e rica socialite, deu forma a Daisy, enquanto sua amiga igualmente abastada, a golfista Edith Cummings, baseou Jordan.

Para uma leitora feminista do século XXI, Daisy e Jordan são decepcionantes. Jovens ricas, superficiais e quase inertes, elas soam débeis com personalidades fracas e papel passivo na trama. De fato, Daisy e Jordan parecem estar na história apenas para servir de par romântico e objeto de desejo dos homens. É injusta a forma como são retratadas, ainda mais no caso de Jordan, que é uma atleta em pleno 1922, mas cujo retrato feito pelo autor não chega nem perto de ser empoderado.

“- (...) Acordei do éter com um sentimento de completo abandono e perguntei à enfermeira se era menino ou menina. Ela me disse que era menina, e então eu virei a cabeça e chorei. Certo — eu disse — que bom que é uma menina. Espero que ela seja uma grande tonta: é o melhor que uma garota pode ser neste mundo, uma belíssima tonta.” Daisy, em seu momento mais lúcido na trama

Mas, é possível imaginar que Fitzgerald tinha pelo menos certa noção de desigualdade de gênero ao criar Daisy e Jordan. Sabendo das traições do marido, que não esteve ao seu lado nem no nascimento da filha dos dois, Daisy relembra o momento com certa amargura. É quase palpável sua tristeza quando diz, de forma autodepreciativa e irônica: “é o melhor que uma garota pode ser neste mundo, uma belíssima tonta”

Por outro lado, também podemos argumentar que, na verdade, Fitzgerald não tinha qualquer pretensão de fazer um argumento contra opressão das mulheres e só relatou o que ele mesmo vivia e fazia (afinal, quem sabe da biografia do autor sabe que ele tratou a esposa, Zelda, bem cruelmente em alguns pontos da vida).

NICK: UM NARRADOR TENDENCIOSO

Também vejo certo elemento autobiográfico de Fitzgerald em Nick. Será que o autor se via como nosso narrador, um homem honesto que via por trás das máscaras da riqueza? Mas ou Nick é um hipócrita ou o amigo que, de tão fiel, se torna cego. Ele se julga honesto e moralmente superior, mas perdoa os defeitos e pecados de seus companheiros. 

Também não gosto da forma como Nick trata Jordan (alguém que está na vida dele só para preencher uma necessidade de companhia e entretenimento). Contudo, é um personagem complexo e bastante humano. Eu gosto bastante das teorias de que, no fundo, era Nick quem estava apaixonado por Daisy ou, das mais modernas e ousadas, de que na verdade o narrador possuía era uma paixão por Gatsby.


O GRANDE GATSBY

E falando nele, eu gosto da jornada do personagem que dá nome ao livro. De lenda a figura misteriosa, de milionário intocável a um pobre coitado apaixonado, Gatsby esconde muitas facetas. A princípio, nos irritamos com a aura de mistério ao seu redor, depois, nos cativamos com seu amor de longa data e, por fim, sofremos que a tragédia ao qual é submetido. 

Gatsby era um sonhador, um inconformado que queria muito mais do que a vida tinha lhe dado. A ambição de Gatsby pode ser criticada, claro, mas ele é o ponto central do livro, a morte do sonho americano em forma de uma pessoa, uma vítima da desigualdade social. Ele tinha seus defeitos, mas em uma obra com personagens criticáveis e com qualidade duvidáveis, a sensação que temos é que Gatsby é o único a ser punido por suas ações. Uma crítica a ambição desenfreada ou a impunidade dos muito ricos, cada leitor decide.

A EDIÇÃO

Eu tive a sorte de encontrar o e-book do livro gratuito um dia, na Amazon. A tradução de Vanessa Barbara é excelente e não encontrei qualquer problema no texto. A diagramação é simples, mas funciona perfeitamente no leitor digital. Essa edição da Peguin ainda traz uma introdução muito rica de Tony Tanner. Eu gostei bastante da capa escolhida. A moça em roupas de época combina perfeitamente com O Grande Gatsby.

VALE A PENA LER?

O Grande Gatsby é merecidamente um clássico. O livro não é perfeito, a trama não surpreende muito e a forma como as personagens femininas são retratadas não envelheceu bem (assim como racismo de Tom, marido de Daisy). Contudo, os personagens humanos cheios de defeitos servem bem a narrativa. A história, contada em retrospectiva por um homem que se julga honesto, mas é um amigo fiel que perdoa os pecados dos companheiros, é intrigante e desafiadora. 

Nick não é um narrador confiável e a forma como consegue influenciar a opinião do leitor com tanta facilidade é o que torna essa obra brilhante. As temáticas abordadas (a morte do sonho americano, a violência da desigualdade social e a impunidade para com os ricos) tornam O Grande Gatsby uma leitura necessária e edificante. Eu amei a leitura, que flui bem e rápido com seus capítulos curtos, e estou curiosa para ler mais de Fitzgerald.

Título: O Grande Gatsby
Título original: The Great Gatsby
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradutor: Vanessa Barbara
Editora: Penguin - Companhia das Letras
ISBN: B009WW7VCM
Ano: 2011
Páginas: 234
Compre: Amazon

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