4.1.20

Para conhecer Emily Dickinson: Não Sou Ninguém (Resenha)


A AUTORA E SEU ESTILO

A poeta americana Emily Dickinson (1830-1886) viveu uma vida curta e isolada. Sua família era de origem abastada, por isso ela teve uma educação formal de alto nível. Em suas cartas, compartilhava poemas com os poucos amigos, mas publicou apenas sete poemas, todos de forma anônima. Emily nunca se casou e viveu até o final de sua vida na mesma casa em que cresceu e da qual raramente saia. Após a sua morte, vieram à tona seus quase 1.800 poemas, que revolucionaram a poesia americana e mundial.

Emily Dickinson possui um estilo único, extremamente moderno para a época em que viveu. Seus poemas são curtos e não possuem título. Com o uso curioso de travessões em vez de vírgulas e pontos finais, a poeta nos entrega obras de altíssima qualidade, impossível de imitar e difíceis de desvendar. Empregando muita ironia, Dickinson economiza em palavras, mas não em metáforas e sonoridade. Alguns de seus poemas podem até se passar por canções, de tão facilmente que se desenrolam sobre a língua quando ditos em voz alta.

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Dickinson não recorria a fórmulas, apesar de que vez enquanto se utiliza de versos tradicionais. Seu jeito de rimar lembra bastante a fala cotidiana (da época, claro), apesar de estar longe de ser simplista. Podemos dizer que ela é contraditória, até. Emily Dickinson flutua entre extremos, ora seus poemas parecem não fazer sentido de tão complexos e pessoais, ora soam tão comuns e sem autoria definida, como se fossem um dizer popular que já escutamos um milhão de vezes.

Em alguns poemas a autora cria em nossa cabeça imagens vívidas e coloridas, em outros, diz o que tem que dizer de forma seca e rápida. Dickinson fala do prazer em estar sozinha na página anterior a que transmite agonia por sua solidão. Em um poema, descreve o amor como a coisa mais preciosa do mundo, em outra, como uma agonia causada pela impossibilidade de estar realmente e eternamente junto a alguém (afinal, a morte sempre os separará).


TEMAS E RECONHECIMENTO

A solidão é um dos temas mais recorrentes em sua obra, assim como amor, morte, fé, tempo, eternidade e a vida como um todo. E entre metáforas intricadas e rimas divertidas encontramos Emily Dickinson, a pessoa, por baixo da obra de Dickinson, a poeta. As recorrentes referências a morte são compreensíveis pela época em que viveu. A autora não participou ou foi atingida pessoalmente pela Guerra Civil Norte-Americana, mas a tristeza da perda, o sofrimento da morte e a descrença pelos esforços aparentemente heroicos que só trazem dor foram muito claramente expressos em suas poesias. Ou seja, mesmo reclusa, ela nunca foi ignorante sobre o mundo ao seu redor.

Dickinson também demonstra uma autoconsciência, de sua pessoa e de sua arte, tremenda. Em um poema ela afirma que "Publicar — é o Leilão/Da nossa Mente", em outro homenageia “Poetas Mártires” que “Falam por eles seus poemas”. Em geral, ela parecia rejeitar a ideia de fama, o que condiz com a vida reclusa que levou. Mas, é possível perceber uma nota de autodepreciação quando a poeta nos diz que “Penso que bem podia/Morrer — sem ser notada” ou quando exclama, com uma boa dose de humor, “Não sou Ninguém! Quem é você?”. O que nos faz questionar, tendo sido tão moderna, em sua arte, pensamento e vida, será que Dickinson recusou reconhecimento por que desejou ou por que a sociedade da sua época sequer a permitiu isso?

Impossível dizer com certeza. Mas um de seus versos mais famosos, “Minha vida, uma arma carregada, /Ficou pelos cantos até o dia/Em que o dono passou, e, ao reconhecer-me, /Levou-me dali consigo”, podem nos dar algumas pistas. A poeta definitivamente sabia de seu talento e o poder que possuía através de suas palavras. Contudo, descrever-se tão passiva como uma arma que foi levada por outro, nos faz entender que, talvez, Dickinson nunca teve a opção a não ser de esperar pelo reconhecimento tardio através de outras pessoas.  Mas nunca teremos a verdadeira resposta. Talvez ela realmente não desejasse ser reconhecida em vida. Como Capitu, Dickinson permanecerá para sempre um enigma. O que torna sua obra ainda mais atrativa.


VALE A PENA LER?

Eu poderia ficar eternamente falando sobre como é intrigante e apaixonante a obra de Dickinson, mas vou resumir em sim, vale muito a pena ler esse livro. Reunindo 45 de seus mais famosos poemas, a coletânea Não Sou Ninguém ganha muitos pontos por trazer os poemas em sua forma original, assim como traduzidos por Augusto de Campos

Comparando-as as outras traduções que vi na internet, o trabalho de Augusto de Campos foi genial. Ele mesmo um poeta, em alguns dos poemas preferiu manter o sentido da obra e sua sonoridade, mas não as exatas palavras, como em outras traduções. Assim, as poesias traduzidas de Dickinson se tornam algo completamente novo, ainda belo e rico, e é divertido comparar o original em inglês e a tradução em português.

Já que os poemas são tão curtos, esse é o tipo de livro para se manter na cabeceira da cama e reler sempre que puder. A cada vez conseguimos ver algo diferente nas palavras de Dickinson, que nunca perde sua beleza única e aspecto intrigante. Estou simplesmente apaixonada pela poeta e ansiosa para conhecer mais profundamente suas obras. Não Sou Ninguém é uma introdução perfeita ao estilo de Dickinson, que merece ser lida por todo mundo.

"The Martyr Poets—did not tell—
But wrought their Pang in syllable—
That when their mortal name be numb—
Their mortal fate—encourage Some—
The Martyr Painters—never spoke—
Bequeathing—rather—to their Work—
That when their conscious fingers cease—
Some seek in Art—the Art of Peace—

Poetas Mártires – não clamam –
A Dor em sílabas transmudam –
Falam por eles seus poemas –
Quando já estejam mudos.
Pintores Mártires – não falam –
Com a sua Obra eles almejam
Que quando já não sejam mais –
Alguns busquem na Arte - a Paz –" 
Título: Não Sou Ninguém
Autora: Emily Dickinson
Tradução: Augusto de Campos
Editora: Unicamp
ISBN: 9788526812987
Ano: 2015
Páginas: 192

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1 comentários:

  1. Oi Ana, fiquei com vontade de ler este livro, eu nunca me interessei por ela, até ver a série!

    Adorei sua resenha!!

    Beijos Mila

    Daily of Books Mila

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