A HISTÓRIA
Meg, Jo, Beth e Amy são as jovens integrantes cheias de vida da família March. Contudo, com seu pai lutando no que mais tarde se tornaria conhecido como a Guerra Civil Americana, as garotas precisam encontrar esperança em tempos sombrios. Meg, a mais velha, precisa entender o que significa deixar de ser uma menina para se tornar uma mulher. Jo, a mais criativa e a mais impulsiva de todas, tenta achar seu equilíbrio entre desafiar as regras sociais e não machucar os outros com seu gênio terrível. Beth, a mais encantadora, possui uma timidez que a priva de um mundo de possibilidades. E, a caçula da família, Amy, é uma garotinha orgulhosa demais para sua pouca idade.
Com a ajuda da sua dedicada e doce mãe, as meninas March tentam encontrar o seu lugar em um mundo que passa por mudanças. Meg e Jo precisam trabalhar fora para ajudar na economia da família, enquanto Beth auxilia a única empregada da casa, Hannah, e Amy lida com seus problemas na escola. Contudo, elas acabam se divertindo bastante com Laurie, vizinho da família e amigo de infância das meninas, especialmente de Jo, que é dada a escrever e encenar histórias para a família. Entre brincadeiras no sótão e conversas sérias sobre casamento, piqueniques, primeiras paixões e guerras, as meninas crescem rapidamente, mas aproveitam cada segundo de sua juventude.
A AUTORA, OS TEMAS E A IMPORTÂNCIA DE MULHERZINHAS
Mulherzinhas é um dos clássicos da literatura americana e com razão. Publicado em 1868, é considerado um romance semi-biográfico da vida de sua autora, Louisa May Alcott, e suas irmãs. Como as meninas March, Alcott teve uma rica educação, mas precisou trabalhar desde cedo para sustentar sua família. Já adulta, ela defendeu o abolicionismo e o feminismo, trabalhou como enfermeira na guerra, nunca se casou, viveu cercada por outros intelectuais e viu seu trabalho se tornar uma sensação literária. Jo é claramente inspirada na autora da Mulherzinhas.
A fascinação por Mulherzinhas vem justamente da forma realista como o livro representa jovens mulheres de sua época. As garotas March são cheias de sonhos e dúvidas e enfrentam problemáticas bem comuns a mocinhas de suas épocas. Contudo, são retratadas pela autora como garotas altamente inteligentes, gentis, talentosas e trabalhadoras, dispostas a trabalharem seus defeitos e se tornarem pessoas melhores que contribuem plenamente com a sociedade. E, para a época, é preciso considerar que as garotas March eram bem revolucionárias e inspiradoras. Elas eram formalmente educadas, escreviam livremente, falavam o que pensavam, iam a lugares desacompanhadas, trabalhavam para ajudar a família e até mesmo consideravam se casar só por amor, ou não se casar de maneira alguma.
Além da transformação de garotas em jovens mulheres, outra temática que recheia as páginas de Mulherzinhas é justamente o "espírito americano", por assim dizer. Basicamente, a obra tem uma lição clara para suas leitoras: se trabalharem duro, forem virtuosas e dignas, a vida lhe trará apenas coisas boas. Há inúmeros capítulos que focam em como as meninas precisam lidar com seus “maiores” pecados (o egoísmo, a arrogância e a vaidade, por exemplo) para se tornarem pessoas melhores e deixarem seus pais orgulhosos. Nesse ponto, Mulherzinhas é bem satisfatório de ler, já que lá pelo final do livro vemos as meninas muito mais maduras e em grande parte livres dos “piores” traços de sua personalidade.
AS PROBLEMÁTICAS DE MULHERZINHAS
O primeiro problema em Mulherzinhas é justamente seu caráter moralista. Para os nossos dias, um livro que tenta tão claramente ensinar o que é certo ou errado não é tão atrativo. Sem falar que a ideia do que é ser uma cidadã correta (trabalhadora e virtuosa) exposta no livro é uma visão muito americana e capitalista, com a qual grande parte dos leitores hoje pode não concordar. Me incomodou bastante, por exemplo, como as garotas reclamavam o tempo todo em serem pobres e precisar trabalhar algo como meio período durante a semana, sendo que possuíam uma casa própria e grande e até mesmo uma empregada 24 horas por dia. A ideia de pobreza de Mulherzinhas é extremamente burguesa e americana.
A ideia de que meninas tão jovens possuem imensos pecados como a fúria e a vaidade foi bem intragável para mim. Estando entre os 12 e 16 anos, é esperado que uma pessoa seja vaidosa ou arrogante, já que estão no meio do seu processo de amadurecimento. E a forma como a autora narra a transformação das garotas, de pequenas meninas selvagens para mocinhas dóceis também é estranha para os tempos atuais, já que essa transformação representa também a submissão das protagonistas a uma cultura machista que não aceitava que garotinhas cheias de sonhos e desejos próprios se transformassem em algo além de uma boa e quieta esposa.
E, de fato, Mulherzinhas coloca o casamento e a maternidade como o ápice do sucesso da vida de uma mulher. Por um lado, é compreensível tal ideia ser perpetuada por um livro escrito na década de 1860. Por outro, considerando que a própria autora nunca se casou, é estranho que Alcott nos passe essa lição. No fim, o maior defeito de Mulherzinhas é justamente não ter sobrevivido ao teste do tempo. Para 2019, é uma obra com ideias muito datadas.
Se considerarmos que Orgulho e Preconceito, tendo temáticas similares e tendo sido escrito antes, não passa as mesmas ideias retrógradas, é difícil dizer que é apenas uma questão de quando foi escrito. Algo tão presente em Jane Austen, que senti que faltou em Alcott, é a coragem de criticar seus próprios ideias. Enquanto Austen ironiza sua sociedade, sua classe social e o papel da mulher, Alcott se limita a reproduzir ideais que, importante, não cumpriu em sua própria vida, em um discurso bastante moralista.
Se considerarmos que Orgulho e Preconceito, tendo temáticas similares e tendo sido escrito antes, não passa as mesmas ideias retrógradas, é difícil dizer que é apenas uma questão de quando foi escrito. Algo tão presente em Jane Austen, que senti que faltou em Alcott, é a coragem de criticar seus próprios ideias. Enquanto Austen ironiza sua sociedade, sua classe social e o papel da mulher, Alcott se limita a reproduzir ideais que, importante, não cumpriu em sua própria vida, em um discurso bastante moralista.
A “SÉRIE”
Curiosamente, só quando cheguei ao final de Mulherzinhas descobri que o livro faz parte de uma “série”, por assim dizer, já que o termo jamais foi usado na época. Mulherzinhas possui uma parte 2 e, se não me engano, as edições mais atuais sempre as trazem juntas em um volume só. Contudo, a edição que li é de 1968, então apresenta mesmo só o Mulherzinhas (Little Women) original.
A parte 2 foi chamada de Boas Esposas (Good Wives) e continua a história das garotas March, agora como jovens adultas. A autora ainda publicou Um Colégio Diferente (Little Men), que acompanha Jo casada e adulta como professora de uma escola bem inusitada para os padrões da época, cuja história é continuada em A Rapaziada de Jo (Jo's Boys, and How They Turned Out).
A TRAMA, A NARRATIVA E OS PERSONAGENS
Paras os padrões narrativos de hoje em dia, honestamente, Mulherzinhas é entediante. Não há um conflito maior que guia a história como um todo. Pelo contrário, cada pequeno capítulo apresenta uma problemática que é resolvida rapidamente. Assim, por mais que durante o capítulo o leitor fique interessado, falta algo que o motive continuar para o próximo. Mas, como disse, a história é bem interessante por representar a rotina diária, os ideais comportamentais e a cultura de uma família classe média branca da época.
A narrativa de Alcott é bem mais simples do que eu esperava. Ela consegue misturar bem descrição com ação e diálogos, o que deixa a leitura fluida para os leitores do nosso século. A autora ainda apresenta boas pitadas de bom humor e nos diverte especialmente através de Amy, a caçula atrevida e sonhadora. Os capítulos do livro são curtos e equilibram bem momentos leves, como as brincadeiras das meninas, com acontecimentos mais sérios, como brigas de família e até mesmo adoecimento.
Pelo seu caráter tão moralista, os personagens de Mulherzinhas são bem caricatos. Cada garota representa um pecado capital e sua mãe age como um anjo guia para todos. Laurie é o rapaz gentil, mas mimado, e às vezes age também como diabinho, tentando as meninas se rebelarem com suas brincadeiras e provocações. Contudo, ele e Jo são tão fofos juntos que se tornaram meus personagens favoritos. Os dois têm um lado rebelde delicioso de acompanhar e uma incrível de amizade verdadeira, mas que todos torcemos para virar também interesse romântico. Eu amei como a Jo sempre desafia as regras sociais, mas também me cativei a suas irmãs. Mesmo sendo clichês, a relação de amor e ódio delas é fofa e qualquer pessoa com irmãos vai se identificar bastante com a cumplicidade e rivalidade entre elas.
A EDIÇÃO
A edição que li foi publicada em 1969, logo, tem um vocabulário um pouco antigo, mas que não chega a deixar a leitura complicada. A diagramação é bastante simples, mas as páginas grossas e claras resistiram bem ao tempo. O tamanho da fonte é bom e eu fico triste que livros hoje em dia não usem mais fontes como a desse livro (que parece ser Courier), já que elas dão a impressão de que a obra foi datilografada.
VALE A PENA LER?
São fatos que Mulherzinhas não envelheceu bem como outros clássicos (como Orgulho e Preconceito) e que não consegue prender tanto o leitor ao longo da leitura. Contudo, o livro não deixa de ser um clássico, que apesar das mensagens moralistas e sexistas, foi uma inspiração para gerações e mais gerações de mulheres, ao retratar o amadurecimento de garotas inteligentes e talentosas com as quais nos identificamos. Por sua representação da amizade entre irmãs e sua importância histórica, Mulherzinhas merece a leitura.
Título: Mulherzinhas
Título original: Little Women
Autora: Louisa May Alcott
Editora: Companhia Editora Nacional
ISBN: ?
Ano: 1969
Páginas: 236
Compre: Amazon
- Leia também a resenha de Orgulho e Preconceito
Título: Mulherzinhas
Título original: Little Women
Autora: Louisa May Alcott
Editora: Companhia Editora Nacional
ISBN: ?
Ano: 1969
Páginas: 236
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