18.7.18

Resenha: Aos Dezessete Anos - Ava Dellaira


A HISTÓRIA

Aos dezessete anos, Angie decide que esperou o suficiente. Ela ama muito sua mãe, Marilyn, e reconhece todos os sacrifícios que ela fez para criá-la sozinha. Mas há coisas que a mãe, por ser branca, não entende. Ela não percebe as microagressões pelas quais a filha passa, não vê como a olham diferente por ser negra, não entende o quanto machuca quando estranhos confundem as amigas brancas de Angie como a filha verdadeira de Marilyn. Mas, mais do que isso, Angie sente que há um buraco, um espaço vazio dentro de si. Seu pai sempre foi um fantasma sem rosto, uma interrogação, um mistério, que ela achava que jamais poderia desvendar.

Desde cedo Angie soube que seu pai e o irmão mais novo dele morreram em um acidente de carro, antes dela nascer. E, como o assunto sempre faz com que Marilyn sofra, Angie parou de abordá-lo. Contudo, tudo muda ela encontra uma foto antiga do seu pai. Angie não consegue tirar a imagem da cabeça e se perguntar como ele era. Assim, quando por acaso descobre que seu tio está vivo, Angie imagina se Marilyn também não mentiu sobre o pai dela. Então, a garota decide fazer uma loucura. Pede uma carona para o ex-namorado, Sam, que está indo para Los Angeles, onde seu pai vivia. Sem qualquer pista de verdade, Angie está decidida a descobrir tudo sobre o passado do pai… mas acabará também entendendo muitas coisas sobre si mesma.


Um pouco mais de dezessete anos antes, Marilyn era uma jovem modelo de dezessete anos. Seu sonho de verdade era ir para a faculdade e trabalhar com fotografia. Contudo, como deixar a mãe para trás, que vive em um mundo fantástico no qual Marilyn está sempre há um passo de virar uma celebridade? Ela sabe que não vai fazer fortuna como modelo, mas Marilyn não consegue imaginar como fazer a mãe acordar para a realidade. Para piorar, Marilyn e a mãe se mudam para o apartamento do tio, um homem amargurado que passa seus dias jogando e bebendo. 

“- Sou meio sem graça.
- É nada. Ninguém é. Todo mundo tem um universo inteiro dentro de si.” pág. 366

Tudo o que Marilyn quer é fugir de tudo isso, mas ela encontra seu refúgio perfeito no apartamento debaixo. Também com dezessete anos, James é um garoto bonito e dedicado aos estudos. Ele não quer um relacionamento sério, mas Marilyn não consegue evitar se apaixonar por alguém tão gentil e cativante. Entretanto, aos poucos, James vai se abrindo para ela e Marilyn sonha com um final para os dois, cursando a faculdade juntos. Contudo, aos apenas dezessete anos, Marilyn ainda não podia imaginar que seu primeiro grande amor seria interrompido de forma tão abruta e cruel.


A LEITURA: TEMAS ABORDADOS, TRAMA E NARRATIVA

Por ter amado o livro de estreia da autora, Carta de Amor Aos Mortos, eu peguei Aos Dezessete Anos para ler com expectativas bem altas. E, mesmo assim, não é que o livro conseguiu me surpreender e ser bem melhor do que eu imaginava? Primeiro de tudo, a Ava Dellaira construiu uma atmosfera completamente diferente, e única, para esse livro. A leitura não é tão pesada e trágica quanto Carta de Amor Aos Mortos, mas igualmente apaixonante.

Leia a resenha e veja fotos do livro Carta de Amor Aos Mortos

A trama de Aos Dezessete Anos é divertida e consegue ser leve mesmo quando aborda assuntos densos, como racismo, principalmente, mas também drogas, álcool, violência, relações familiares disfuncionais, gravidez na adolescência, divórcio, autoestima, luto, entre outros. Contudo, isso não significa de maneira alguma que a autora aborda tais problemas com levianidade ou sensacionalismo. De modo delicado e sensível, que demonstra muita leitura e pesquisa sobre o assunto, Dellaira nos passa lições importantes, como, por exemplo, uma pessoa branca nunca saberá de verdade como é ser negro em uma sociedade racista e como o racismo é um problema institucional e estrutural, que destrói vidas e famílias inteiras.

Mas, apesar desse pano de fundo denso, Aos Dezessete Anos também traz a história de uma garota em busca de suas raízes e também de si mesma, e a trajetória de sua mãe, que revivenciando traumas do passado, precisa encontrar uma forma de se perdoar e seguir em frente. Tudo isso é contado em meio a momentos tristes e cheios de tensão, claro, mas também divertidos, fofos e românticos, como cenas de viagem de carro, de carinho entre mãe e filha, e de primeiras paixões e beijos. Nesse ponto, a narrativa, que se divide entre Marilyn e Angie, contribui para contrabalancear momentos leves e pesados, mas também para nos deixar intrigados para o desfecho. 

E o final é muito emocionante. Confesso que chorei quando a verdade sobre o pai de Angie foi revelada, assim como quando mãe e filha se reencontram e fazem as pazes, com o passado e com si mesmas. A bela escrita de Dellaira é grande parte do motivo do porque a história é tão cativante. Com uma narrativa em terceira pessoa, a autora consegue ser poética e objetiva ao mesmo tempo. Ela consegue ter um texto cheio de metáforas e reflexões bonitas e impactantes, mas sem deixar a história arrastada. Não é surpresa que eu tenha devorado a obra em dois dias e, no final, ainda ter ficado com um gostinho por mais.


OS PERSONAGENS

Assim como sua escrita, os personagens de Dellaira são muito cativantes e apaixonantes. Eu gosto que a autora consiga criar personalidades tão complexas e únicas, mas humanas de uma forma que o leitor se identifica com todas elas. Os personagens da autora têm defeitos e qualidades, medos e paixões, além de papel na trama. Mas, há algo que a autora fez nesse livro que me fez perceber que ela cresceu como escritora desde Carta de Amor Aos Mortos. Diferentes dos personagens do livro de estreia da autora, nenhum de Aos Dezessete Anos são idealizados e, bem, chatos como o Sky de Carta de Amor Aos Mortos. Mas, além disso, nesse livro, os personagens apoiam uns aos outros, mas seu crescimento pessoal parte de dentro. Para mim, isso passa uma mensagem muito bacana de que, no final, só nós podemos mudar a nos mesmos e resolver nossos problemas – coisa que não senti em Carta de Amor Aos Mortos, no qual achei que a mocinha muda por causa dos outros e não com a ajuda deles.

“Pela primeira vez, enxerga que, para compreender Angie, precisa compreender a se mesma. Marilyn vai ter que deixar aquela garota entrar, seu próprio eu aos dezessete anos, ainda que destroçada pela dor, afogada na culpa; vai ter que reaprender a amar aquela garota da mesma maneira que ama sua filha, ou perderá Angie com ela.” pág. 385

Eu amei absolutamente todos os personagens de Aos Dezessete Anos. Me identifiquei muito com a Angie e seu pessimismo, mas fiquei feliz que, ao longo do livro, ela aprende que não pode deixar seus medos impedi-la de fazer o que quer e ficar com quem ama. Foi muito interessante ver a Marilyn em dois tempos diferentes. Sua versão jovem e apaixonada, cheia de sonhos, é muito cativante; assim como sua versão adulta, como uma mãe dedicada e amorosa. E, nos dois tempos, Marilyn enfrenta desafios, primeiro de aprender a se abrir para as coisas inesperadas da vida e a segunda de entender que o passado não deve ser esquecido ou ignorado, mas que não pode nos impedir de continuar vivendo.

Os garotos do livro também são apaixonantes. Começando por James, que apesar de sua frieza inicial, logo se mostra um garoto gentil e muito inteligente, que aprende que amar e ser amado não o deixará fraco e sim mais forte. Ao contrário de James, Sam é um amor desde o começo. Apesar dos problemas em seu relacionamento com Angie, ele não deixa de apoiá-la nem por um segundo, mas, conforme Aos Dezessete Anos avança, aprende que amar uma pessoa e doar-se a ela não significa ter que, sempre, colocar-se em segundo lugar. Os outros personagens menores, como o irmão de James, e o primo de Sam, e a namorada dele, também são uns amores e têm seu espacinho no meu coração.


A EDIÇÃO

Aos Dezessete Anos tem uma edição tão cuidadosa e fofa quanto a história do livro. A tradução está perfeita e o texto sem erro algum. A diagramação é simples, mas tem uma boa fonte e espaçamento. Sempre adoro quando o livro tem páginas amareladas, como esse. Amei o desenho do beija-flor tanto na divisão entre as partes que focam em Marilyn e Angie, assim como na capa. Além de fofa, a ilustração do beija-flor é um detalhe muito atencioso, que tem uma grande relação com a história. Eu amo a capa de Aos Dezessete Anos. Os tons pastéis de azul, roxo e amarelo usados são bonitos e combinam com o ar da trama. Sem falar que a imagem da garota negra, com roupa de praia e segurando uma câmera, representa bem as protagonistas Marilyn e Angie.

CONCLUSÕES FINAIS

Em resumo, Aos Dezessete Anos é um livro apaixonante e que recomendo para todos. A leitura é leve, divertida e romântica, mas não deixa de ter momentos de emoção e tensão. O livro fala bastante sobre autodescoberta, luto e perdão, mas também sobre racismo e relações familiares e amorosas. Com personagens cativantes e humanos, com os quais nos identificamos e para os quais torcemos, a leitura do livro se torna ainda mais rápida e deliciosa. Aos Dezessete Anos ainda nos presenteia com uma narrativa poética, cheia de reflexões impactantes, e um desfecho surpreendente. Eu não mudaria absolutamente nada nesse livro, que superou as altas expectativas que eu tinha para ele e me deixou sedenta por mais obras da Ava Dellaira.


QUOTES FAVORITOS

“Então começou a tirar fotos mentais, num esforço de resguardar a conexão com o mundo à sua volta de que precisava desesperadamente.” pág. 34

“Embora Marilyn não aparecesse em nenhuma foto, Angie sentiu que estava olhando para ela, através das lentes. As fotos eram a maneira como sua mãe via o mundo, e Angie se apaixonou por aquela versão dela escondida atrás da câmera.” pág. 121

“- Desculpe. Eu tenho problemas.
- Todo mundo tem, Angie. Isso não significa nada.” pág. 124

“Sempre penso que fotografar, ela [Marilyn] escreve, é como agarrar uma imagem das mãos do tempo, antes que seja perdida. Uma foto pode ser guardada, compartilhada, presenteada. Pode se renovar aos olhos de cada um que a vê.” pág. 320

“- Acho que me parece meio sem sentido. Tem mais de sete bilhões de pessoas no mundo. Andamos por aí como se fôssemos importantes, mas somos só uma fração invisível da humanidade.” pág. 367

“- É. - Angie faz uma pausa. - Se você olha para o mundo de longe, pensando numa pessoa em sete bilhões, ele parece pequeno. Mas, de perto, para as que o amam… sua vida significava tudo.” pág. 368

“- Ele [Sam] é um garoto legal, Angie. Merece alguém que o respeite, que o trate como merece. Como uma pessoa inteira, com um coração batendo. Um universo todo particular.” pág. 372

“- Acho que acredito em fantasmas – ela diz. - Não tipo assombrações, mas a ideia de que todos os que morreram ainda fazem parte do nosso mundo, quase como uma onda de energia. Quer dizer, herdamos tudo. A linguagem, o país, até o DNA… Mas também falo das coisas mais difíceis de nomear. Acho que todos nós carregamos os fantasmas das pessoas que vieram antes de nós.” pág. 378

Título: Aos Dezessete Anos
Título original: In Search of Us
Autora: Ava Dellaira
Editora: Seguinte
ISBN: 9788555340673
Ano: 2018
Páginas: 448

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