4.6.18

Resenha: Carta a D. - André Gorz


O AUTOR E O LIVRO

Autor de muitos livros e artigos, o jornalista e filósofo André Gorz foi próximo de Jean-Paul Sartre e um intelectual influente, com uma dedicação especial as questões do trabalho. Viveu quase sessenta anos ao lado de Dorine, esposa acometida por uma grave doença, a quem dedica esse livro.

“Preciso reconstituir a história do nosso amor para aprender todo o seu significado. Ela foi o que permitiu que nos tornássemos o que somos; um pelo outro, um para o outro. Eu lhe escrevo para entender o que vivi, o que vivemos juntos.” pág. 10/11

Gorz começa Carta a D. nos lembrando de que a esposa está para fazer 82 anos e que mesmo após 58 anos juntos, ele a ama profundamente. Assim, o autor retorna a juventude de ambos, a quando eles se conheceram e o desenvolvimento do seu relacionamento. Ao mesmo tempo em que narra sua trajetória com Dorine, Gorz delineia a sua própria: na visão dele, as duas são inseparáveis e todo o seu crescimento pessoal e profissional é permeado pela esposa. O autor fala um pouco de sua descendência e família. Filho de um comerciante judeu, deixou a Áustria antes da Segunda Guerra mundial. Na Suíça, se formou em engenharia química e, poucos anos depois, conheceu Dorine.

Gorz afirma que foi quase um amor a primeira vista. Sentiu-se atraído pela garota britânica desde o primeiro instante, ficando fascinando com sua personalidade cativante. O autor descreve a esposa como uma mulher forte, que nunca deixou-se influenciar pela visão do marido ou de outros, que nunca deixou de ter as próprias opiniões e vontades. Algo que me fascinou foi Gorz ter sido honesto, apresentando Dorine não como “uma grande mulher por trás de um grande homem” e sim como uma grande mulher, ponto. Ele ressalta diversas vezes que Dorine nunca deixou de ter a própria vida, amigos ou mesmo emprego. Inclusive, Gorz admite que a esposa essa essencial para todos os trabalhos que ele teve, ela sempre o auxiliou de alguma maneira – em determinado momento ele até ressalta que todos seus textos eram lidos e revisados por ela. 

Gorz descreve Dorine como uma grande incentivadora, dando-lhe a liberdade e o apoio necessários para que o filósofo desenvolve-se suas obras. Nesse ponto, ele admite que, em alguns momentos, chegou a deixá-la de lado, especialmente a noite, quando mais escrevia. Contudo, o autor afirma que Dorine não se importava, pelo contrário, compreendia que viver, para Gorz, era estar sempre escrevendo. Nesse ponto, o autor beira um pouco ao idealismo – do passado e da esposa. É difícil imaginar que ele se dedicar tanto ao trabalho, entre outras coisas, não tenha causado conflitos entre os dois. Mas, em sua Carta a D., o autor parece ter seletivamente deixado de lado memória de conflito ou tensão entre ambos.


Apesar de que, por pura curiosidade, eu gostaria de ter lido mais sobre o lado não tão bonito e feliz da história dos dois (pois, para mim, saber dos momentos de conflito, discordância, tensão, etc., só deixariam os felizes mais especiais), entendo por que o autor o deixou de fora. Antes de tudo, Carta a D. não é uma obra ficcional, é um relato real, é uma correspondência apaixonada de um homem para sua amada esposa. E é isso que torna o livro mais especial. É fascinante ler sobre a história de um casal que esteve junto por quase sessenta anos, que dedicaram suas vidas não só ao jornalismo, a filosia, aos livros, mas um aos outro. Ler Carta a D. deixa o coração do leitor quentinho, nos faz acreditar que o amor verdadeiro é real e pode ser cultivado entre duas pessoas por uma vida inteira.

E, por isso, o final de Carta a D. é quase que devastador. Gorz encerra a obra reafirmando o quanto ama a esposa e o quanto não poderia viver sem ela. Acometida por uma doença grave, fruto de um erro médico, assim como câncer, Dorine mudou seu jeito de ver o mundo e a vida, assim como o marido, depois de ficar doente. Eles passaram a aproveitar cada momentos juntos, a ponto de que, em determinado ponto, Gorz abandona o jornalismo e vai morar com a esposa no campo - o que resume bem toda história dos dois, um amor cúmplice e tranquilo, uma grande paixão sem grandes atos e sim com pequenos marcos de carinho e cuidado mútuo. 

Um amor que não sufoca nenhuma parte, em que ninguém perde sua individualidade, e sim um amor onde ambos podem se desenvolver, juntos. O que torna Carta a D. um livro apaixonante e triste, afinal, um ano após a publicação da obra o casal suicidou-se. É triste porque a morte é sempre triste. Mas, o que mais me comoveu foi eles não terem conseguido ficar por mais tempos juntos, um amor como o deles merecia a eternidade. E, de certa forma, a conseguiram. Carta a D. será sempre o marco literário da trajetória e amor de André e Dorine Gorz. Um relato curto e rápido de ler, uma narrativa epistolar direta, honesta e emocionante. De longe um dos livros mais doces e cativantes que já li.


QUOTES FAVORITOS

“Você foi a primeira mulher que consegui amar de corpo e alma, com quem eu me sentia em ressonância profunda; meu primeiro amor verdadeiro, para dizer tudo. Se eu fosse incapaz de amá-la de verdade, nunca poderia amar ninguém. Encontrei palavras que nunca soubera pronunciar; palavras para lhe dizer que eu queria que permanecêssemos juntos para sempre.” pág. 33

O principal objetivo do escritor não é o que ele escreve. Sua necessidade primeira é escrever. Escrever, isto é, ausentar-se do mundo e de si mesmo para, eventualmente, fazer disso a matéria de elaborações literárias.” pág. 41/42

só uma coisa me era realmente essencial: estar com você. Eu não posso me imaginar escrevendo se você não mais existir.” pág. 99

Você me deu toda sua vida e tudo de si; e eu gostaria de poder lhe dar tudo de mim durante o tempo que nos resta.” pág. 101

A EDIÇÃO

Carta a D. – História de um amor tem uma merecida e caprichada edição, que é pequena e levinha, perfeita para carregar na bolsa. A tradução é excelente, e o texto não traz qualquer erro – o cuidado da edição é visto nas notas úteis de rodapé. A diagramação é simples, o que nos permite focar no essencial: a bela história narrada. Por ser um livro curto, a obra tem uma fonte e espaçamento um pouco maiores que o normal, o que ajuda a deixar a leitura mais confortável. As páginas são de cor creme e um material muito resiste. Eu amo a capa de Carta a D., com uma foto fofa do autor e a esposa dançando. Também amei que o livro vem com essa jacket de um rosa forte e lindo, que protege o livrinho.


Título: Carta a D.
Subtítulo: História de Um Amor
Título original: Lettre à D.: histoire d'un amour
Autor: André Gorz
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535930979
Ano: 2018
Páginas: 112
*Esse livro foi uma cortesia da Editora Companhia das Letras
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