3.11.16

Resenha: Como Tatuagem - Walter Tierno


A HISTÓRIA

Artur é um cara de sorte, mesmo que não reconheça. De família muito rica, ele consegue manter os pais o máximo possível fora de sua vida, enquanto aproveita o apartamento que ganhou deles para se encontrar com o mais variado tipo de mulheres. Além da faculdade, Artur se dedica apenas ao taekwondo e a levar moças para cama e se livrar delas o mais rápido possível logo em seguida. Ele é machista, mimado e arrogante, acha que o mundo gira a sua volta. Artur trata todos apenas com descaso e não se importa com ninguém além de si mesmo. Na verdade, Artur não liga nem mesmo para a sua própria segurança, tanto que um dia sofre um grave acidente de carro, que estava em alta velocidade.

Lúcia aprendeu cedo que a vida não é fácil e que mordomia é para poucos. Ela perdeu o pai na infância e desde pequena sofre com o preconceito por causa do vitiligo. Para muitas pessoas desinformadas e rudes, a Lúcia não é uma fisioterapeuta competente, uma amiga gentil e uma filha dedicada, e sim uma garota com manchas por todo o rosto e corpo. Mas, a garota consegue sempre superar os olhares maldosos e palavras afiadas - seja disfarçando suas manchas com maquiagem, ou deixando sua mãe consolá-la. Apesar de que Mamuska, como Lúcia chama sua mãe, uma mulher forte, sem papas na língua e mente aberta, jamais deixa a filha ficar lamuriando suas dores e sim a ajuda a se aceitar e a responder os mal educados.


Contudo, a vida de Artur e Lúcia mudam completamente e acabam por se cruzar. Ele perde suas pernas no acidente de carro e ela perde a mãe para um ataque cardíaco. Os dois precisam aprender a reencontrar novamente não só o rumo de suas vidas, mas também a si mesmos. Para Artur, não só aceitação é necessária, como adaptação. Entretanto, na sua nova realidade tão complicada, com sua família caindo aos pedaços e seu coração cheio de dor e raiva, como Artur pode não querer viver na cama com as suas lembranças de tempos melhores? Já Lúcia precisa aprender a ser independente. Contudo, mais do que viver e se sustentar sozinha, será que a garota conseguirá manter sua mente intacta, seus sentimentos em ordem e sua força para encarar as dificuldades do dia a dia sem a mãe?

Tentando ajudar o filho, a mãe de Artur contrata Lúcia como fisioterapeuta particular do rapaz. O início é bastante complicado: Artur despreza a insistência dos pais em tentar forçar sua recuperação e se comporta quase que como uma criança birrenta. Entretanto, Lúcia, que precisa daquele emprego para tirar o luto da sua cabeça, não vai deixar Artur intimidá-la, ainda mais ao perceber que eles se conheceram muitos e muitos anos antes e que, desde aquela época, Artur já era um babaca egoísta. Sem se lembrar de que já a conhecera, Artur provoca e irrita Lúcia, mas secretamente fica impressionado por ela não se deixar afetar. Logo surge certa cumplicidade entre eles e algo mais. Contudo, mesmo atraídos um pelo outro, são muitas confusões e dificuldades entre eles. Cada um tem seus próprios problemas para superar, mas quem disse que a paixão se importa com qualquer coisa quando decide surgir? 


A LEITURA E AS MENSAGENS DO LIVRO

Eu fiquei muito contente quando recebi um convite do autor para ler Como Tatuagem. Louca por romances como sou, imediatamente fiquei curiosa para ler uma história de amor que tratasse de preconceito e aceitação ao trazer mocinhos que fogem do clichê: ele é cadeirante e ela têm vitiligo. E a obra não me decepcionou.

Fui conquistada por Como Tatuagem logo nas primeiras páginas. Os capítulos se dividem entre a narração (em primeira pessoa) de Artur e Lúcia. E além de uma escrita leve e fluída, o autor também conseguiu passar muito dos personagens em sua narração. Nos capítulos de Artur, encontramos uma linguagem mais ácida e objetiva, já com a Lúcia, saboreamos uma narração mais sensível e lírica, bastante reflexiva e poética. E essa troca de perspectivas tão diferentes foi deliciosa: deixou a leitura mais dinâmica e interessante, e ainda nos permitiu compreender melhor o “mundo interior” de cada personagem.

Enquanto a narração do Tierno me encantou com sua versatilidade e qualidade, a trama deixou um pouco a desejar. Apesar de algumas temáticas diferentes e de personagens tão fortes, senti que, do meio para o final, o livro caiu na mesmice e trouxe momentos bem clichês, que já vimos em mil outros romances. Contudo, isso não chega a tirar as várias surpresas de Como tatuagem e, claro a importância de suas mensagens. 


Em meio a uma história de amor conturbada, mas intensa e bonita, o autor conseguiu falar bastante sobre preconceito e aceitação. Acompanhamos tanto Lúcia, quanto Artur, lutar contra o olhar julgador da sociedade e redescobrir como ser feliz consigo mesmo sendo diferente. Ao mesmo tempo em que lidavam com a desinformação, os olhares maldosos, as palavras duras e muito mais (no caso de Artur, as ofensas vinham até do próprio pai), os protagonistas aprendem que para enfrentar um mundo tão cruel e preconceituoso é preciso, antes de tudo, lidar com a crueldade e o preconceito dentro de si. 

Foi duro, mas inspirador e edificante, acompanhar a jornada de Artur em aceitar a perda das pernas, mas o mais chocante para mim foi ler sobre o preconceito que as pessoas com vitiligo, como a Lúcia, sofrem. Fiquei abismada em ver, através de Como Tatuagem, como a doença é pouco conhecida e como as manchas são vistas como algo nojento ou contagioso por algumas pessoas – atitude simplesmente horrível, mas que, infelizmente, é comum. Por isso fico feliz que um livro como esse tenha sido escrito. É importante que falemos sobre esses assuntos e Como Tatuagem consegue, em meio a uma história de amor fofa e cativante, nos mostrar um pouco mais do mundo de pessoas com deficiência e doenças crônicas.

Outro detalhe que me chamou atenção é que, além de abordar deficiência física e vitiligo, Como Tatuagem ainda fala bastante sobre relacionamentos familiares e machismo. Em muitos momentos vemos a Lúcia questionar não só Artur, mas um ex-namorado, sobre os ideais e atitudes machistas que eles tinham e perpetuavam. Foi bem legal ver em um romance, gênero, infelizmente, ainda extremamente machista, uma protagonista simplesmente não aceitando que um cara controle sua vida e seus sentimentos, que fiquei ditando suas roupas, afazeres e mais.


OS PERSONAGENS

Os personagens são o ponto mais forte de Como Tatuagem. Eles nos soam muito humanos: com suas qualidades, claro, mas também defeitos e inseguranças. Como disse, os dois protagonistas passam por uma jornada de redescobrimento e autoaceitação. E eu gostei que, apesar de se ajudarem, cada um deles descobriu sua força sozinho e aprendeu a ser responsável pelos próprios sentimentos e ações. 

A Lúcia é uma mocinha incrível. Ela é inteligente e gentil; vê a vida de forma muito lírica e é bastante sensível, contudo, não deixa de colocar a cara a tapa e buscar suas próprias realizações e felicidades. Diferente da Lúcia, não gostei do Artur logo de cara – desculpe a palavra, mas ele é um verdadeiro bacaca. Mimado e machista, o Artur vive para si mesmo e para o prazer. Contudo, acabamos nos simpatizando com o personagem ao vê-lo lutar para entender sua nova realidade e para ser um cara melhor.

Como casal Lúcia e Artur são super fofos juntos. Desde o início rola aquela tensão gostosa e eles demoram um pouco para se envolver, mas, quando o fazem, pulam de cabeça em uma paixão intensa e quente. Entretanto, eles enfrentam alguns percalços no caminho, o que deixa a história deles ainda mais interessante, claro. O livro é recheado de personagens secundários, mas minha favorita deles foi a mãe da Lúcia, a Mamuska. Sem preconceitos e vergonha de nada, a senhorinha é uma figura divertida e muito cativante e fiquei triste que ela tenha deixado a história logo no começo...


A EDIÇÃO

A edição da obra está excelente. Apesar de simples, a diagramação trouxe um detalhe interessante: os capítulos do Artur e da Lúcia têm fontes (letras) diferentes, o que nos ajuda a saber quem está narrando. A capa de Como Tatuagem é linda e combina com a história. Eu amei o tom de verde e de roxo usados, assim como o cisne e âncora na contracapa, que tem tudo a ver com a trama.


CONCLUSÕES FINAIS

Com momentos divertido e tristes, com uma história de amor, mas também de aceitação, Como Tatuagem é uma obra deliciosa e fofa. A história tem lá seus clichês, mas traz uma trama instigante e inspiradora, que nos faz refletir sobre autoaceitação, superação, preconceito e muito mais. Como Tatuagem é fofo, gostoso e rápido de ler, além de bastante lírico e sensível. Para quem quer saber mais sobre deficiência física e vitiligo, aqui está um livro que consegue abordar o assunto sem tabus e ainda proporciona uma boa leitura. Fãs de romance contemporâneos com mensagens críticas vão gostar da obra, com certeza.

QUOTES FAVORITOS

Mas nada disso está acontecendo agora. (…) É só uma lembrança; Só sobrou isso, mesmo. Lembranças. Estou fodido! Muito fodido! Não estou lá. Estou aqui. Mas o aqui é uma merda, então prefiro a lembrança. Agarro ela. Fecho os olhos e agarro ela.” Pág. 8

Admito que as máscaras não são lá muito amigas da liberdade, mas discordo da Mamuska quando ela diz que são inimigas da coragem. Não é covardia que me motiva a esconder as manchas. Os que nunca escodem são corajosos, isso é verdade. Mas a lógica de opostos não se aplica aqui. A coragem deles não cria, automaticamente, um parâmetro que me transforma em covarde. Não é assim que as coisas funcionam.” Pág. 30

Título: Como Tatuagem
Autor: Walter Tierno
Editora: Verus Editora
ISBN: 9788576865346
Ano: 2016
Páginas: 308
Compre: Amazon - Submarino - Americanas

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3 comentários:

  1. Oi, Ana!
    O que tinha me chamado atenção nesse livro foi justamente a abordagem sobre vitiligo. Depois da sua resenha, sei que o livro tem muito mais a apresentar e me deixou com mais vontade.
    Beijos
    Balaio de Babados

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  2. to louca para ler esse livro desde quando vi a capa la no blog da Lelê! a sinopse é linda e o enredo promete emocionar!
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  3. Olá, Ana!!!

    Adorei sua resenha!!! Eu tinha visto esse livro algum tempo atrás, mas acabei não adquirindo porque estou segurando as compras há meses já.
    Mas achei que seria um romance bem mais simples do que você me apresentou aqui.
    Tenho certeza que é um daqueles romances bonitos com mensagens ainda necessárias para muitas pessoas.

    O livro já está na minha lista e quem sabe leio em breve também, né? ;)

    Bjs!!!

    http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

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