O seu peito aperta e você conhece bem a sensação. O tempo parece desacelerar e o mundo passa diante de você, que o vê de longe, como se uma parede de vidro separasse você e o mundo em lados opostos, impedindo-a de tocá-lo. De senti-lo. Mas você sente. Não o mundo acelerado, abarrotado de pessoas estranhas, que a evita. O universo parece ignorar sua existência. Mas você sente alguma coisa, dentro de si mesma, uma dor aguda que sabe que não pode curar.
Você se sente ferida, mesmo que o seu corpo esteja intacto. Saúde perfeita, os médicos diriam, mas eles saberiam explicar porque você se sente doente, morta por dentro? Seu coração bate, o sangue pulsa em suas veias, os pulmões inspiram e expiram ar. Contudo, você não se sente viva. Sente-se abandonada pela própria existência.
A boca amarga, a garganta inchada, os olhos transbordando, mas você se recusa a chorar. Ao mesmo tempo em que você deseja derramar suas lágrimas, sente que não o pode. Chorar é humano e você não se sente humana. Uma peça da mobília ou da decoração, um daqueles objetos que nunca sabemos porque existem, mas que continuam sempre no mesmo lugar. Qualquer coisa, você sente que é qualquer coisa, menos um ser que respira e se move. Que vive.
Mas Deus, a saudade. A saudade é tão grande. No seu peito, seu coração está inteiro e intacto, mas você o sente em pedaços. O sente sangrar e chorar em seu interior. O sente implorar por algo. Qualquer coisa. Mas você não poderia. A parte sua que podia partiu a muito tempo. E você sente a sua falta mais do qualquer coisa, mais do que chocolate quando está fazendo dieta ou sua casa quando viaja por muito tempo. Você foi abandonada e sofre, sofre porque deixou a si mesma, mas não foi todo o seu ser que teve a coragem de partir, apesar de que a parte importante foi a que o fez.
Sabe aquela parte da gente que parece brilhar com mais intensidade? Aquela parte que, quando você a sente, faz o coração bater mais forte e faz as pessoas sorrirem de volta para você? Aquela parte que sonha, que ama e que é amada. A parte que nos faz sentir vivos, que nos obriga a fazer o que não queremos, mas que é bom para nós e que nos faz sentir bem melhores depois de o fazer. A parte que tem medo, mas que não teme o medo e encara tudo aquilo que nos assusta. A parte que é feliz e que nos faz feliz, por inteiro. A parte que une todas as outras partes e que nos deixa um ser humano completo.
Essa parte me deixou. Cansou de sofrer. Cansou de ser negada, isolada, impedida. Essa parte lutou, por si mesma e por todas as outras partes, mas perdeu. Perdeu e partiu. Abandonou-me e eu não a pedi para ficar, porque ela teria olhado para trás e me perdoado. Mas a parte que ficou era a parte orgulhosa e medrosa que não fez nada, apenas observou o melhor de mim ir embora. E agora aqui estou, vazia, sentindo saudades de mim mesma. Pois aquela parte é que fazia eu sentir que sou eu. E agora, aqui estou, sempre triste, sempre sozinha, sempre com medo.
Sem aquela parte de mim, não me movo. Respiro, mas não existo. Sinto, mas não sinto. Estou incompleta, em pedaços. Choro pela parte de mim que me abandonou, choro por ter deixado-a ir e choro por não saber como trazê-la de volta. Quem disse que o tempo era curandeiro mentiu. O tempo se arrasta, me carrega como correnteza, me afoga como mar. O tempo zomba de mim e me fere com seus segundos afidos, seus minutos cruéis, suas horas indiferentes, seus dias sombrios. O mundo me ignora, ignora minha dor e me faz sofrer ainda mais por não me notar.
Me sinto sozinha. Me sinto triste. Sinto falta de mim mesma. Da pessoa que eu era. Do mundo que eu criava ao meu redor, o mundo que me notava, um mundo que eu lutava para ser melhor. Não posso mais ser aquela pessoa? Sinto que não, mas o que me impediria além de mim mesma? O resto do mundo está ocupado com si mesmo, então porque não posso ocupar-me comigo? Por que não posso reinventar-me? Curar-me? Viver? Eu posso viver.
Eu poderia ir atrás da parte que se foi, implorar o seu perdão de joelhos, mas acredito que aquela parte já não mais existe. Da mesma maneira que senti que não poderia viver sem ela, sei que ela não poderia viver sem mim. Sem as partes tristes. Sem as partes ignorantes. Sem as partes que sentem saudade. A parte feliz, a parte sonhadora de uma pessoa, não pode viver sozinha, como parte, tem que viver como inteiro. Assim como uma pessoa precisa viver por inteiro, com todas as suas partes que vem e vão, que se partem e morrem, que crescem e renascem.
Aquela parte que me abandonou, aquela pessoa que eu deixei de ser não existem mais. Mas agora existem novas partes. Eu sou uma nova pessoa. Ainda triste, ainda saudosa. Mas menos triste. Menos saudosa. Um pouco esperançosa. Ainda não sou uma nova pessoa por completo, mas sou o início de uma. E todo mundo sabe que o início é bem mais gostoso que o meio ou o fim.
Esse texto faz parte do projeto Desafio de Escrita: 25 coisas sobre as quais escrever em 25 semanas, referente ao nº 23 da lista - Você está consumido pela saudade.
Oi, Ana!
ResponderExcluirQue texto lindo *-* Você devia estar bem inspirada quando escreveu.. As imagens combinaram demais com ele.
Beijos
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Obrigada, fico muito contente que tenha gostado (tanto do texto quanto das imagens)! Sim, a inspiração demorou para chegar, mas apareceu veio aos montes! rs
ExcluirÓtimo texto. Pra mim ele fala mais sobre transformação, você fala que o tempo não cura, mas ele transforma as coisas e as pessoas. De uma forma ou de outra toda sensação passa e vira outra, tomara que outra melhor.
ResponderExcluirbjos
Obrigada Dani! Verdade, o tempo transforma tudo... E sim, vamos torcer para que traga sempre transformações para melhor! rs
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