Elas escorriam pelo meu rosto. Impedidas, ingratas. Deixam o seu rastro molhado pela minha pele, uma trilha de dor líquida. Meus olhos transbordam como oceanos e, pelos céus, sinto que vou afogar. Toda a minha face está estranhamente sensível e a sinto, inchada, machucada, socada pela vida e deixada para morrer.
Minha cabeça está mergulhada na água, na dor. O líquido acaricia os meus nervos carentes e, por um momento, penso que são suas mãos. Penso que seus dedos me percorrem novamente e não preciso mais me preocupar. Não preciso chorar. Não preciso perder-me na minha própria dor. Mas aí as sinto. Pingando dos meus olhos cegos, escorrendo, pesadas como chumbos, geladas como a minha alma, cavando um buraco negro, a ferro e a fogo, pelo meu ser.
Me sinto queimando, mas queimando gelado, como quando a neve e o vento frio do Ártico toca a pele nua. Agonizo. Sofro. Pelas lágrimas e pelas memórias perdidas. Lembro-me que a dois segundo atrás pensei que você ainda estivesse aqui. Até onde sei, você poderia nunca ter existido. Não, eu que nunca existi para você. Você existiu para mim, demais até, a ponto de largar-me sangrando e inválida e inexata e dolorida. E sozinha. Muito sozinha. Sempre sozinha. Mesmo quando estava com você.
Como pude não ver? Quando meus olhos não estavam embaçados pelas lágrimas, quando a minha alma não escorria para fora de mim, líquida em gotas salgadas, como não pude ver? Como não pude vê-lo como era? Uma sombra no meu mundo escuro, um fantasma no meu recanto dos mortos. Como não pude ver que você era alma passageira, hóspede apressado, em meu coração?
Imagino que eu não quis ver. Imagino que, por não haver as lágrimas para me cegar, anuviei minha vista com esperança. Com sonhos. Com burrice. Com esperança de não haver mais lágrimas. Mas, se nasci chorando, como posso esperar deixar essa vida ou ao menos vivê-la em outra coisa que não lamúria? Como esperar não chorar todas as noites, não afogar-me em lágrimas? Como posso esperar não ser sozinha?
Vim inocente a esse mundo pútrido, mas solitária, e hei de deixá-lo da mesma maneira. De trilhar um caminho bastante semelhante. Uma jornada de autopiedade e lágrimas. Parece bacana. Uma guerreira vencida, esse é o significado do meu nome. Uma garota com a pele em vários tons de roxo, azul e verde. Essa é minha aparência, depois de levar todos esses golpes da vida.
Lágrimas, lágrimas. Quando hão de cessar? Estou cansada de chorar, mas não sinto como se pudesse fazer outra coisa agora. Meu coração está partido, espalhado pelo chão como cacos de um espelho quebrado. E piso sobre eles. Cada pedaço diminuto e destruído do meu coração. Piso sobre eles, banho-os com as minhas lágrimas. Não há porque recolher os pedaços agora. Não há porque tentar me reconstruir. Prefiro jogá-los no lixo e deixar algum pobre empregado da empresa de limpeza pública levá-los para longe, junto com tudo mais o que descartei da minha vida: cascas de verduras, a embalagem de um perfume, um par de meias furadas, esperanças inúteis, amores em vão, sonhos esquecidos.
As lágrimas me abandonam, mas a dor permanece. Agora sou o mar morto, acabado e esquecido. Sem navios. Fechado para visitas. O fluxo para, o rosto seca. As lágrimas não caem. Mas a vida ainda há de escorrer para fora de mim. O meu curto tempo de visita na eternidade se esgota, a cada momento mais, a cada momento me sinto menos. Viver para sempre não é ficar nesse tormento terreno para sempre. Viver para sempre é amar. E tudo é eterno enquanto dura.
E, quando o amor acaba, voltamos a morrer aos poucos, até que amamos novamente e, por alguns segundos, uma troca de olhares ou cinquenta anos de casados, consigamos, mais uma vez, provar a eternidade que há nos lábios de outro alguém. Provar o éter do universo em dar o seu corpo, a sua alma a quem não lhe pertence e há de te abandonar. Mas por um momento de eternidade, por um momento sem lágrimas, eu daria todas as outras gotas do meu corpo – sejam de água salgada ou de sangue.
Esse texto faz parte do projeto Desafio de Escrita: 25 coisas sobre as quais escrever em 25 semanas, referente ao nº 15 da lista - Lágrimas escorrem do seu rosto e você sente que irá afogar
Oi Ana,
ResponderExcluirEsse ficou tão lindo, triste e tocante.
E as fotos maravilhosas. São daquele ensaio da Mara Dyer...ou não?
Acho que esse momento retratado no texto pega ser humano, pelo menos uma vez por ano haha
Mas agora costumo pensar que para cada lágrima há um sorriso. Porém, os dois juntos é bem melhor.
Tenha uma linda semana ♥
Nana - Obsession Valley
Obrigada! As fotos são lindas mesmo (e são do ensaio da Mara Dyer). Sim, todo mundo passa por momentos como esse direto e concordo com você que para cada tristeza pode haver uma felicidade também!
Excluir