13.10.15

Resenha: Capitães da Areia - Jorge Amado


Década de 30. A cidade de Salvador, capital da Bahia, é lar da diversidade e da desigualdade. Suas ruas históricas abrigam brancos, negros, mulatos e imigrantes, ricos e pobres, que convivem ao mesmo tempo em paz e em conflito. É nesse tempo de mudança e agitação social que se passa as histórias dos Capitães da Areia, um grupo de crianças abandonadas. Os ricos da cidade os veem como ladrões, marginaizinhos sem redenção, mas para o leitor eles se configuram como heróis desajustados, guerreiros e sobreviventes das mazelas desse mundo cruel.
“Vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.” Pág. 27
Não é a toa que o livro de Jorge Amado incomodou, quando lançado em 1937, e ainda incomoda muita gente. Sem pudor algum, talvez até com um pouco de deleite, o autor expõe o abandono, o preconceito, a miséria e a crueldade. Mas não a crueldade dos meninos (afinal, até onde eles podem ser culpados por suas ações?), mas a crueldade da sociedade, dos chamados homens civilizados e bons, que trabalham honestamente e vão à igreja, mas que deixam crianças à mercê das ruas. 


Capitães da Areia é uma obra extremamente atual e uma leitura que incomoda, afinal, é impossível não olhar para todos os personagens que rejeitaram, ignoraram e acusaram os Capitães da Areia e se perguntar: “quantas vezes eu olhei para o outro lado? Quantas vezes eu ignorei as crianças que pediam dinheiro? Quantas vezes fingi que as mazelas do mundo, que as pessoas que vivem na miséria, não são tanto minha responsabilidade quanto dos políticos?”.

Roubo e violência fazem parte do cotidiano dos Capitães da Areia, crianças abandonadas que encontraram uns nos outros uma família. Se por um lado Amado expõe a malandragem, a dissimulação e a agressividade dos meninos, crianças forçadas a crescer diante de tanta pobreza, por outro, também faz questão de nos mostrar como, em muitos momentos, eles trocariam até mesmo comida por um gesto de afeto, por alguns momentos com qualquer coisa que fosse parecido com ter um pai e uma mãe.



Se desprezamos aqueles que desprezam os Capitães da Areia, os nossos protagonistas rapidamente conquistam nosso afeto. É impossível não se cativar com crianças que passaram por tanta coisa ruim e, ainda sim, conseguem encontrar em si o sentimento de união e bondade. Os Capitães tratam uns aos outros como irmãos e cuidam de si. 

Felizmente, também conhecemos algumas figuras (poucas, é verdade) que se apegam aos meninos e até tentam ajudá-los. O Padre José Pedro, principalmente, foi o que mais chamou minha atenção. Descrito como um homem de pouca inteligência e estudo, ele desobedeceu seus superiores e até leis e preceitos da Igreja para ajudar os Capitães da Areia. O padre, apesar de ter grande ambição por salvar a alma daqueles meninos, sabia que sem os roubos eles morreriam de fome e que todas as suas ações, por piores que fossem, era culpa daqueles que os abandonaram, que os ignoravam, e não dos meninos.


Pedro Bala, Volta Seca, Professor, Gato, Boa-Vida, Pirulito e Sem-Pernas são alguns dos Capitães que conhecemos com mais profundidade. Cheios de personalidades e inteligência, eles representam bem a heterogeneidade do grupo, que vai de brancos loiros a negros, de garotos com personalidades violentas até aqueles com talentos artísticos e pretensões religiosas. Cada um deles tem sua história particular e seus conflitos, que nos emocionam e nos revoltam. Como permitimos que crianças passem por situações tão horríveis e, ainda sim, se tornam pessoas muito mais bondosas e honestas que muitos de nós, que sempre tivemos casa e família?


Capitães da Areia não tem uma leitura fácil de engolir ou mesmo prazerosa, mas é uma obra necessária a todos os brasileiros. É preciso ver mesmo de perto toda a miséria, marginalidade e abandono nos quais muitos vivem até hoje. Um livro extremamente político, e um pouco filosófico, Capitães da Areia é uma obra complexa, mas de mensagem clara. 

Eu, que li o livro por obrigação, acabei me apaixonando pela obra e ficando curiosa para conhecer mais livros do autor. Para quem não tem medo de encarar um clássico (mas de linguagem fácil) que incomoda bastante, mas que abre sua mente, essa é uma excelente pedida.


Título: Capitães da Areia
Autor: Jorge Amado
Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 9788535914061
Ano: 2009
Páginas: 280

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8 comentários:

  1. Oi Ana!
    Apesar do Jorge Amado ser bem conhecido e ter inspirado várias novelas, nunca li um livro dele. Não fazia ideia do que era trama desse livro, parece ser um bom "abrir de olhos", né? Me interessei.

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Esse foi o primeiro dele que li Sora e gostei bastante! É muito bom ler um livro que abre a cabeça da gente rs!

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  2. Helloo, Ana! Tudo bem?!
    Essa foi uma leitura obrigatória na escola no meu último ano de ensino médio. Mas era um paradidático e isso já me desestimulava. Sempre acreditei na chatice dos livros que o colégio selecionava. Mas agora vendo sua resenha vejo que a proposta é boa e interessante. Gosto de livros que nos fazem abrir os olhos para determinados problemas sociais.
    Ah, que estante linda aí atrás. Quanto livro!! *-* OMG, queria isso tudo também, mas vida de estudante de faculdade é dura e falida kkk.
    Beijin...
    Já estou seguindo o blog!!
    http://piecesofalanagabriela.blogspot.com.br

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    1. Leia o livro depois, se puder! Também não suporto ter que ler livros obrigada, principalmente de escola, mas volta e meia uma dessas leituras obrigatórias acabam sendo uma boa surpresa! Obrigada! Essa estante é o meu xódo! rs

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  3. Essa foi a melhor leitura obrigatória que tive kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  4. Olha... Esse livrou ficou por muuuito tempo pegando poeira na minha estante. Tinha um certo preconceito besta e um receio de que fosse uma leitura chata. Não poderia ter errado mais em pensar dessa forma.

    Li no início desse ano e (nossa!) que livro!
    Fiquei abismada com a forma como Jorge Amado abordou tantos temas polêmicos de uma perspectiva completamente diferente. Ele realmente faz com que nós pratiquemos a empatia e nos coloca na posição dos personagens.

    Achei a história incrível com toda a complexidade dos diferentes personagens, sem falar que a narrativa me deixou completamente absorta. Quado virei a última página, já coloquei todos os outros livros dele na minha lista de desejados.

    Ótima resenha.

    Beijão,
    Sala de Leitura

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    1. Falou tudo Lu! Esse livro é mesmo incrível! O Autor traz uma história extremamente crítica e única, que nos faz simpatizar muito com os personagens e suas próprias histórias!

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