Um brutal chamado a realidade
Carolina Maria de Jesus (1914-1997) foi um grande marco na história da literatura brasileira. Sua primeira obra publicada, Quarto de Despejo, lançada em 1960, agitou a cidade de São Paulo e todo o Brasil. O livro foi traduzido para treze idiomas e tornou-se um best-seller na América do Norte e na Europa. Quarto de Despejo garantiu a Carolina seu cantinho na história e um breve momento debaixo dos holofotes. A escritora conseguiu realizar mais sonhos: saiu da favela, adquiriu casa própria e publicou mais duas obras, que não tiveram destaque algum. Mas, passada a histeria causada por Quarto de Despejo, Carolina retornou a pobreza e ao esquecimento. Após uma vida inteira ignorada, a escritora morreu ignorada. Entretanto, garanto que quem se arriscar a ler esse livro, jamais poderá esquecer Carolina.
“Parece que vim ao mundo destinada a catar. Só não cato felicidade.” Pág. 72
Quarto de Despejo é o diário de uma favelada inconformada com a própria vida e condição. Nesse livro, acompanhamos Carolina de 1955 até 1960 através de seus escritos recheados de erros gramaticais e uma brutal realidade. Apesar da escrita rude, Carolina consegue passar sua mensagem com muita clareza e sensibilidade. Nos devaneios da escritora e na descrição monótona de sua rotina miserável, acabamos por encontrar muitas verdades e um modo singular de perceber a vida e as pessoas. No meio do lixo, encontramos poesia.
Carolina, diferente dos que a cercavam, não era alienada pela própria condição medíocre. A mulher sabia que havia mais do que aquilo, um modo de viver melhor e mais digno, mas também sabia muito bem que dificilmente teria acesso a ele, o que nunca a impede de almejar a mudança. O desprezo pela favela é claro nas palavras de Carolina, que como mulher, negra, pobre e mãe solteira, não poderia ser vítima mais óbvia para os preconceitos e injustiças diárias que assolam a nossa sociedade.
“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.” Pág. 33
Em uma vida de sofrimento, Carolina dá ao leitor uma visão verdadeira e singular da pobreza, da fome, da promiscuidade, do egoísmo, da falta de valores e perspectivadas melhores que definem a vida miserável na favela. Mas Carolina não vê apenas os pobres. Os ricos também são alvo de sua língua afiada e verdadeira. Carolina percebe as desigualdades e hipocrisias desse mundo como ninguém. Catadora de papel e mãe solteira, quando o alimento falta, o que é mais recorrente do que o leitor gostaria, Carolina se refugia nas palavras, uma dedicação surpreendente a literatura. Carolina não escreve apenas para criticar, dizer e mostrar o que ninguém quer ouvir e ver: ela escreve para manter-se sã, para manter-se viva.
Quarto de Despejo é uma leitura densa e difícil de engolir. Apesar de ter sido escrito nos anos 50, o livro é extremamente atual e por saber que aquela realidade sofrível é real, o leitor sente-se incomodado com tanta pobreza, fome e miséria. Por muitas vezes tive vontade de largar o livro, de olhar para o outro lado enquanto lia. Mas uma das coisas que o livro mais nos faz refletir é o tanto de vezes que "olhamos para o lado", que ignoramos a realidade dos outros como se a miséria alheia não fosse problema nosso. Mas é. Quarto de Despejo é uma chamado para o mundo que nos cerca. Para as desigualdades que ignoramos. O livro não só nos faz refletir, ele nos provoca, como se tivesse vida própria e nos olhasse na alma perguntando: “o que você vai fazer sobre isso?”.
“Os bons eu enalteço, os maus eu critico. Deve reservar as palavras suaves para os operarios, para os mendigos, que são escravos da miseria.” Pág. 54
Uma leitura difícil e sofrível, mas que deixa uma marca inesquecível na nossa vida. Quarto de Despejo passa longe de ser um “bom livro” quanto à escrita, a construção da trama e os personagens. Mas ele não foi escrito para ser bom, para vender. Um relato real, esse diário é leitura obrigatória para todo ser humano. Cinco estrelas é pouco para um livro que consegue nos cutucar no fundo da alma e acordar para a realidade de outras pessoas.
Título: Quarto de Despejo
Autora: Carolina Maria de Jesus
Editora: Edibolso
ISBN: 8508043635
Ano: 1976
Páginas: 184
Classificação: 5/5 [ótimo]
Nunca tinha ouvido falar dele, mas assim que vi a capa soube que o livro transmitia muita dor. Uma leitura pra quem é forte e corajoso. Espero ser e conseguir lê-lo.
ResponderExcluirmeu deus Ana, que vergonha, não conhecia este livro ;$
ResponderExcluirparece ser uma trama ótima mesmo, e que pena a autora ter escrito só este de sucesso!
triste também não ser uma obra exigida em vestibular né. bom, pelo menos aqui onde eu moro não é exigido =/
Olá, Ana. Confesso que não conhecia o livro, nem mesmo na faculdade fui apresentado à autora. Triste isso =/
ResponderExcluirQuanto a premissa da obra, já algumas com uma ideia parecida, mas elas não carregavam essa "escrita errada" e nem uma análise social tão profunda, então acho que vou conseguir aproveitar bastante a leitura desse livro.
Acho que será um pouco difícil encontrar esse livro novo, mas tentarei lê-lo, mesmo que eu ache apenas na Estante Virtual.
Excelente dica.
M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de dezembro
Confesso que não sabia da existencia desse livro. Apesar de ter adorado a forma que o descreveu não sei se leria.
ResponderExcluirA premissa parece ser bastante eleborada, porém não me senti atraida pela trama. :/
Nunca tinha ouvido falar da autora..Gosto bastante de livros que não escondem a realidade, então certamente lerei este livro em breve...
ResponderExcluirOi Ana, pela sua resenha, dá pra perceber que o livro te tocou muito e despertou emoções, isto é ótimo. Eu não conhecia a autora e apesar de gostar de variar meus estilos de leitura, não seria um livro que eu leria no momento, por causa desta carga emocional.
ResponderExcluirBeijos
Oi Ana, pela sua resenha, dá pra perceber que o livro te tocou muito e despertou emoções, isto é ótimo. Eu não conhecia a autora e apesar de gostar de variar meus estilos de leitura, não seria um livro que eu leria no momento, por causa desta carga emocional.
ResponderExcluirBeijos
Oi Ana, não conhecia o livro e na verdade não lembro de já ter ouvido falar sobre ele.Sofrimentos tão comuns hoje em dia já eram retratados nesta época. Uma tristeza!
ResponderExcluirBjs, Rose
Oi Ana !
ResponderExcluirEu tive que ler esse livro pra escola e adorei ele, a historia e bem sofrida mas a Carolina me conquistou so fiquei um pouco chateada porque esperava uma final diferente com mais oportunidades para a narradora !!!