9.10.14

Resenha: Contos de Machado de Assis - Machado de Assis


Para conhecer Machado de Assis

Machado de Assis é um dos maiores nomes – muitas vezes considerado o maior - da literatura brasileira e conquista, intriga, diverte e provoca muita gente até hoje. Entretanto, a pior maneira de se conhecer o autor é pegando logo de cara um de seus romances mais famosos: Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba, etc. Machado era simplesmente genial e suas obras não são das mais fáceis. Infelizmente, muitas pessoas tiveram a mesma experiência com Machado que eu tive. No ensino fundamental fui obrigada, pela escola, a ler Dom Casmurro e não deu outra: odiei a obra e odiei Machado.

Particularmente, não acredito que alunos antes do ensino médio tenham maturidade e conhecimento literário o suficiente para ler os romances de Machado, o que não quer dizer que devemos os manter longe do autor. Agora, no ensino médio, tive novamente por obrigação ler Machado de Assis. Só que dessa vez foram contos, que realmente se mostraram a melhor maneira de verdadeiramente conhecer o autor. 


Nesse livro, Contos de Machado de Assis, temos 14 contos do autor que representam bem o seu modo de escrita e a pluralidade de temas que ele abordou ao longo de sua carreira. Comecei o livro desconfiada por causa da experiência negativa e o primeiro conto, “O Medalhão”, não me ajudou a ter um bom começo de leitura.

O conto “O Medalhão” traz a conversa entre um pai e filho, no dia do aniversário deste último. O pai instrui o filho sobre como ser um “medalhão”, uma pessoa importante. Não gostei do conto, pois, honestamente, não vi muito sentido nele. A trama, construída através de diálogos, dificulta conhecer os personagens que, mesmo para um conto, não foram muito desenvolvidos. Uma surpresa boa, por ser o primeiro conto, foi descobrir que a linguagem de Machado não é difícil, algo que não esperava, já que o autor é do século XIX.


O segundo conto, “O espelho”, começa com 5 amigos debatendo temas metafísicos e filosóficos. O mais calado deles, Jacobina, resolve contar uma história sua para exemplificar sua opinião de que todos nós temos duas almas. A trama desse conto é muito intrigante e conta com um suspense bem construído, mas, para mim, um final decepcionante. Novamente, não compreendi complemente o sentido da história. Entretanto, gostei bastante da narração bem detalhada do autor, que faz o leitor sentir-se dentro do conto. 

O terceiro conto, “A Sereníssima República”, foi uma excelente surpresa e um dos meus favoritos de todo o livro. Nele, um homem narra a descoberta de uma sociedade de aranhas falantes, com quem ele aprende a se comunicar e que o vê como um deus. O homem então tenta estabelecer um governo para as aranhas, a Sereníssima República, e narra, em seguida, as confusões e enganações que cercam a decisão de quem ficará no poder do novo Estado.

Com uma trama inusitada e narrativa carregada de ironia, em “A Sereníssima República”, Machado critica o processo eleitoral, os meios do poder e como as pessoas corrompem-se diante dele, e como o Estado é recheado de tais pessoas. O conto critico e atual me surpreendeu e agradou bastante e foi responsável por iniciar a mudança da visão que tinha do autor.


Em “O Alienista”, conto mais longo do livro se não me engano, conhecemos a história de Simão Bacamarte, um médico que resolve desvendar os mistérios da mente e da loucura. Simão funda, em sua cidade natal, a pequena Itaguaí, a Casa Verde, um hospício, para onde o médico não hesita em mandar qualquer pessoa que não tem um comportamento considerado normal. Conforme a Casa Verde vai ficando com cada vez mais pacientes, um verdadeiro terror se espalha pela cidade: afinal, quem pode verdadeiramente garantir quem são os loucos e quem são os sãos? 

“O Alienista” é o quarto conto e o meu favorito de todo o livro. A trama intrigante e bem desenvolvida e a narrativa fácil e cativante envolvem e surpreendem profundamente o leitor. Os personagens são completos, complexos e cativantes. Machado nos faz refletir sobre o que é a loucura e a normalidade e o que as separa. Será que é possível distinguir os loucos dos sãos ou todos nós temos um pouquinho dos dois?

O quinto conto não me agradou como os dois anteriores. Em “Conto de Escola”, Machado conta em primeira pessoa uma situação ocorrida na escola, envolvendo uma moeda, um professor carrasco e seu filho, e um colega fofoqueiro. Honestamente, não entendi o sentido do conto e apesar dele ter me intrigado, o final foi decepcionante e não me agradou.

Em “Noite de Almirante”, sexto conto, acompanhamos Deolindo, um marujo que depois de meses no mar volta ao Rio de Janeiro para reencontrar uma moça que amava e que prometeu esperá-lo. Deolindo trouxe para ela, da viagem, várias bugigangas de presente, mas também um belo par de brincos, prova de seu amor e fidelidade durante todo o tempo em que estivera no mar. Os outros marujos brincam que, naquela noite, Deolindo iria ter uma “noite de almirante”, o que não sai bem como o planejado. 

Gostei do conto, que é envolvente e divertido. Narrado em terceira pessoa, Machado consegue conquistar e surpreender o leitor, além de fazê-lo se compadecer com a situação vivida pelo protagonista. Em “Noite de Almirante” Machado ironiza os romances românticos, mostrando que juras de amor não são tão eternas quanto queríamos que fossem e que as expectativas que criamos sobre os outros podem nos decepcionar, o que torna o conto bem atual.


Em “A Cartomante” conhecemos Camilo, um jovem rapaz que tem um caso amoroso com Rita, esposa de seu grande amigo. Rita, incerta do amor do amante, consulta uma cartomante que lhe tira todas as dúvidas. A mulher conta da cartomante para Camilo, um cético, que ri da amada. Aparentemente, o caso de Rita e Camilo não é um segredo, pois o homem recebeu uma carta anônima de alguém que sabe dos dois. Entretendo, tudo muda mesmo quando Camilo recebe um recado do amigo, esposo de Rita, convocando a casa dele. É nesse momento que o caminho de Camilo e da cartomante se cruza novamente e, pode ser, que em momento de desespero, até um cético passe a acreditar no poder das cartas.

O sétimo conto é intrigante e de final surpreendente, o meu segundo favorito do livro. Machado consegue envolver o leitor nessa história de ar místico e narrada em terceira pessoa. O conto tem um ar de mistério e magia delicioso e flui rapidamente. A trama é bem desenvolvida e os personagens cativantes, além de imprevisíveis e humanos – e nem sempre de bom caráter. Em “A Cartomante” Machado explora e critica as relações humanas – não só com pessoas, mas também com os aspectos da vida, como a sorte, o destino e o místico. 


“A Causa Secreta” é meu terceiro conto favorito do livro. Nele conhecemos a história de Garcia e Fortunato, dois médicos. Garcia já havia reparado no outro homem, mas o conheceu apenas quando ele ajudou um ferido que morava no mesmo lugar que Garcia, na época, ainda estudante. Anos se passam e Garcia e Fortunato se reencontram. Dessa vez, surge amizade e Garcia passa a frequentar a casa de Fortunato, com quem abre uma Casa de Saúde. Entretanto, Fortunato é um homem incomum, estranho até, coisa que Garcia percebe com o tempo e que, em um fatídico episódio envolvendo um rato, o faz entender o que move aquele homem.

Esse oitavo conto é delicioso, com ar de mistério e um desfecho surpreendente. Com traços de ironia e divertimento, Machado narra em terceira pessoa sua trama envolvente e inteligente, onde explora mais uma vez as estranhezas dos seres humanos e o que os move. Os personagens são imprevisíveis, de quem o autor faz uma profunda análise psicológica. 

No nono conto, “Uns Braços”, temos a história de Inácio, um jovem de 15 anos apaixonado pela mulher de seu empregador, com quem mora. Inácio é encantado com os belos braços de D. Severina, que sempre os deixa a mostra. A mulher parece perceber a paixão de Inácio, mas o julga apenas uma criança e impossibilitada de corresponder tais sentimentos. Mas, como o passar do tempo, um observando o outro, será que opinião e sentimentos da mulher continuarão os mesmos?

Esse conto é mais singelo, mas, como sempre, Machado não deixa de abordar um tema pesado e recorrente em seus textos: o adultério. Apesar de tratar de amor (mas também de atração), o autor constrói tramas realistas, onde talvez o final não seja feliz, que coisa que adoro, pois foge do “clichê de felizes para sempre”. Machado mais uma vez se prova genial na hora de envolver o leitor com sua narrativa em terceira pessoa e não deixá-lo parar de ler até que chegue o final. Ele também trouxe novamente personagens, situações e um desfecho surpreendentes. Ainda falando dos personagens, Machado consegue criar protagonistas únicos, cativantes e bem reais, de quem faz profunda análise psicológica e comportamental.


No décimo conto, “Missa de Galo”, Nogueira, um jovem de 17 anos, que se mudara para o Rio de Janeiro para estudar, narra um episódio acontecido na véspera de Natal, e que envolve Conceição, esposa do homem que o hospeda. Esse conto me intrigou a início e o final não foi o que eu esperava, apesar de que preferia outro desfecho. Mais uma vez Machado aborda um de seus temas favoritos: o adultério, em sua narrativa envolvente.

“Cantiga de esponsais” é o décimo primeiro conto e traz a história de Mestre Romão, um músico estranho e solitário, que no final da vida vê-se compelido a terminar uma última composição, a que começara a criar para a esposa falecida, mas nunca terminara. O conto é um pouco triste, mas conseguiu me envolver. Machado consegue nos intrigar com essa história simples e singela e de final satisfatório. Narrado em terceira pessoa, a trama é bem conduzida, mas os personagens pouco memoráveis. 

No décimo segundo conto, “Um Homem Célebre”, conhecemos Pestana, um talentoso pianista, e acompanhamos sua relação com sua arte ao longo da vida. Inspirando-se nos grandes, Beethoven, Mozart, Bach, etc., Pestana se entrega a música, mas, em vez de obras eruditas, clássicas, ele só consegue compor polcas, que todos consideram geniais, mas que ele mesmo não gosta e o que relegam a uma vida de insatisfação e infelicidade. 

O conto é interessante justamente por tratar da relação de um artista com sua arte e sua insatisfação de não conseguir produzir o que queria. A narrativa em terceira pessoa de Machado, como sempre, consegue nos envolver rapidamente e eles nos faz aprofundar junto com ele nas profundas análises psicológicas de seus personagens, sempre variados e únicos. A trama foi bem construída e desenvolvida, e o final satisfatório. 

No décimo terceiro e penúltimo conto, chamado “Pai Contra Mãe”, temos a história de Cândido, um caçador de escravos fugidos. Cândido leva uma vida regrada, visto que há muitos outros caçadores pela cidade e que os escravos fugidos já o conheciam. A situação fica mais complicada quando Cândido se casa e sua mulher engravida. Sem condição de sustentar a criança, a tia da esposa de Cândido sugere que eles se desfaçam do filho, mas o homem recorrerá a todas as outras maneiras antes de abandonar a prole.

O conto é muito bom, especialmente por mostrar com muita clareza o modo de vida da época e a situação dos negros escravizados. A trama é bem conduzida e surpreendente, o final polêmico e com um questionamento que pode dividir opiniões: é justificável prejudicar os outros se sua vida, ou a de quem você ama, depender disso?


Em “Conto Alexandrino”, o último do livro, acompanhamos Stroibus e Pítias na antiga Alexandria. Um dos filósofos acredita que todas as essências humanas encontram-se nos bichos e, com ajuda do amigo, está disposto a provar sua teoria fazendo experimentos em ratos, o que pode não trazer boas consequências para os dois.

O conto me intrigou por ser o único do livro que não se passa no Brasil. A trama é bem desenvolvida, de final surpreendente e recheada com boas doses de ironia. A narrativa em terceira pessoa cativa o leitor e o autor demonstra muito conhecimento a cerca do mundo e história antigos. Para mim, o texto ironiza a ciência e seus métodos, além dos próprios cientistas e sua busca incessável pelas verdades universais.


Esse livro foi uma excelente experiência e ótimo para conhecer o estilo de Machado de Assis, que com seus contos conseguiu acabar com o ódio que tinha por ele. Machado é realmente genial e único e fiquei curiosa para ler outras obras do autor, especialmente seus romances. 

O melhor desse livro é a edição super caprichada, com essas ilustrações incríveis e que deixaram a leitura um pouco mais gostosa. Minha única reclamação é que, enquanto estava lendo, as páginas começaram a soltar sozinhas, o que, felizmente, consegui reverter com um pouquinho de cola.


Título: Contos de Machado de Assis
Autor: Machado de Assis
Editora: Melhoramentos
ISBN: 978-85-06-00686-3
Ano: 2012
Páginas: 272
Classificação: 4/5 [muito bom]


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9 comentários:

  1. Ana!
    Concordo! Adolescência não é uma fase madura para ler Machado de Assis que tem uma linguagem própria e complicada.
    Os contos são ótimos, claro que um ou outro não nos chama tanta atenção, mas no geral, parecem mostrar como realmente a mente de Machado funcionava.
    cheirinhos
    Rudy

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  2. Eu também passei por essa experiência de ter que ler obrigatoriamente o livro Dom Casmurro. Mas, por sorte, eu gostei! Há quem diga que Machado não sabe criar histórias, mas sabe contá-las. Talvez pela simplicidade da maior parte delas, não sei... Mas eu gosto muito!

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    1. Hoje eu gosto um pouquinho mais de Dom Casmurro do que quando li na primeira vez, mas ainda tenho uma relação de amor e ódio com a obra. Ah... Para mim Machado sabe criar histórias sim e, muito bem. Mas convenhamos, a narração é que as deixa infinitamente melhor!

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  3. Olá, Ana. Eu sou suspeito para falar, pois adoro Machado e quase tudo que ele escreveu (quase tudo porque O Alienista nunca me desceu pela garganta haha).
    Eu tive a mesma experiência de leitura que você: no ensino fundamental fui obrigado a ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas, de uma forma diferente, me apaixonei. Por causa dele mesmo que me tornei um leitor de verdade. Gente, um morto narrando o livro - quem já leu esse livro sabe - é tudo de bom. Na época não entendi nem metade do que entendo hoje do livro, mas ainda sim gostei. Mas concordo plenamente com você: dar um romance do Machado para um adolescente é pedir demais. Hoje temos acesso a histórias em quadrinhos de seus livros que, acredito eu, que, ao lados dos contos, é a melhor forma de incluir o leitor no cenário machadiano.
    Amei de coração a diagramação desse livro e já quero ele para mim, nem preciso dizer, né? Tenho um livro de contos dele, mas a obra não é linda igual essa. rs
    Destes contos, Missa do Galo, A Cartomante e Um Homem Célebre são meus favoritos.
    Pelo tamanho do comentário, dá para ver que eu amei a postagem, né? rs

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    1. ;D Fico feliz que tenha gostado do post! Que legal que você sempre teve uma boa experiência com o autor. E sério que não gosta de O Alienista? Foi um dos meus contos favoritos. Essa diagramação ficou mesmo muito legal! Os desenhos são lindos! Fiquei curiosa para ler uma história dele em forma de quadrinhos, é mesmo uma ótima maneira de conquistar o público juvenil.

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  4. Até hoje só li Dom Casmurro do autor porque eu mesma me obriguei a ler mais clássicos da nossa literatura. Gostei de como ele conseguiu me prender de um jeito que eu só fui perceber no final do livro porém, ele é MUITO detalhista e "filosófico", tudo é motivo pro personagem começar a viajar e isso me deixa impaciente. Acho que teria sido melhor mesmo eu ter começado com contos como esse, apesar de que normalmente eu não vejo o sentido na história mesmo kkk não sei se sou eu que não estou acostumada com o tipo de leitura ainda ou a história que não fica muito clara. Se não me engano tenho um livro de contos dele em casa, vou procurar e ler pra ver se a minha experiencia com ele melhora.

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  5. Oi Ana, concordo plenamente contigo. A obrigação e a falta do amadurecimento necessário para uma obra do porte de Machado de Assis, acabam levando muitas pessoas, eu inclusive na época, a odiar o autor e seus livros. Deveriam repensar a forma de abordar estes autores.
    Bjs, Rose.

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  6. Assino em baixo na colegial não temos maturidade para ler muita coisa que é imposta,
    eu mesma li Machado nesta época e me pergunta se lembro de algo, não lembro de nada.
    O livro é lindo, eu geralmente não leio contos, mas acho que este ficou lindo e mais agil para se ler, beijos.

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  7. Que diagramação LINDA.
    Tenho que confessar que não sou muito fã desse tipo de livro, mas só pela arte dele fiquei interessada, sério.
    Muito lindo.

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