10.1.14

Resenha: Laranja Mecânica - Anthony Burgess

Título: Laranja Mecânica
Título original: A Clockwork Orange
Autor: Anthony Burgess
Editora: Aleph
ISBN: 978-85-7657-003-5
Ano: 2004
Páginas: 200
Classificação: 5/5 [ótimo] - favorito
Sinopse: Narrada pelo protagonista, o adolescente Alex, esta brilhante e perturbadora história cria uma sociedade futurista em que a violência atinge proporções gigantescas e provoca uma reposta igualmente agressiva de um governo totalitário. A estranha linguagem utilizada por Alex - soberbamente engendrada pelo autor - empresta uma dimensão quase lírica ao texto. Ao lado de "1984", de George Orwell, e "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, "Laranja Mecânica" é um dos ícones literários da alienação pós-industrial que caracterizou o século XX. Adaptado com maestria para o cinema em 1972 por Stanley Kubrick, é uma obra marcante: depois da sua leitura, você jamais será o mesmo. Agora em nova tradução brasileira.

Horrorshow, Ó meus irmãos
“Mas eu não conseguia deixar de me sentir um pouquinho decepcionado com as coisas do jeito que eram naquela época. Nada contra o que lutar de verdade. Tudo fácil como tirar doce de criança. Mas a noite era mesmo uma criança.” Pág. 15
Espancar moradores de ruas, roubar lojas e casas, estuprar mulheres, começar brigas de rua entre gangues e beber leite com drogas durante a noite, além de garantir um bom álibi. De dia, faltar à escola, dormir, ouvir uma boa música e seduzir meninas de dez anos. Alex tem dias e, principalmente, noites bastante movimentadas. Roubos, estupros, espancamentos e outras atividades de caráter torpe dão ao jovem de quinze anos sua cota diária do que ele chama de "ultraviolência", além de dinheiro e muita diversão. Sempre acompanhado de seus druguis (amigos), Alex lidera a pequena gangue com mão de ferro. Mesmo sendo o mais novo, ele se considera o mais inteligente e, portanto, o líder.
“Você pode videar que tudo nesse mundo perverso conta. Você pode até ponear que uma coisa sempre leva a outra. Ok ok ok.” Pág. 49
Entretanto, nem todos estão satisfeitos com a “liderança nata” de Alex. Seus druguis estão cansados de receber ordens e se rebelam. Mas o motim logo é calado por Alex e sua faca, que está disposto a deixar esse pequeno ato de rebeldia no passado. Em uma mostra de sua “boa fé”, Alex segue uma dica dos amigos e resolve roubar a casa de uma velinha que vive apenas com seus muitos gatos. Entretanto, o roubo fácil sai pela culatra. A dona da casa resiste e ajudada por seus gatos quase consegue vencer o criminoso. Alex consegue vencê-la, mas é pego pela polícia. 
“Isso era tudo. Eu estava condenado. E só tinha quinze anos.” Pág. 76
Traído pelos seus druguis, Alex é preso e condenado a catorze anos de prisão pelo assassinato da velinha. Dois anos depois, ele já está completamente diferente, ajudando o capelão da prisão durante a missa e até mesmo lendo a bíblia. Mas seu novo comportamento é só mais uma de suas enganações na esperança de conseguir diminuir a pena. Quando um novo colega de cela implica com Alex, o garoto incita seus companheiros de cela a dar a ele uma boa lição. O cara morre e todos os dedos apontam para Alex, que mais uma vez é traído por aqueles a sua volta e acusado de assassinato.
“Eles não procuram saber qual a causa da bondade (...) E mais: maldade vem de dentro, do eu, de mim ou de você totalmente odinokis, e esse eu é criado pelo velho Bog ou Deus, e é seu grande orgulho e radóstia. (...) Mas eu faço o que faço porque gosto de fazer.” Pág. 42
Considerado um caso irrecuperável, Alex se voluntaria e acaba sendo escolhido para participar de um programa do governo que promete recuperá-lo completamente em quinze dias. Alex imaginava que apenas um pouco mais de enganação durante esses quinze dias e ele estaria livre para voltar para sua velha vida de ultraviolência, entretanto, ele estava enganado. O tratamento é cruel e beira a tortura, uma verdadeira lavagem cerebral. Quinze dias depois, que para o garoto podiam ser tanto anos quanto décadas, e Alex está livre. O tratamento foi mais que bem sucedido e ele pode sair da prisão. Mas, para Alex, aquilo não é liberdade. Tudo aquilo que o dava prazer, da ultraviolência, ao sexo a música, agora lhe causam grande mal estar. Alex foi reduzido a menos que um ser humano, a uma coisa sem livre-arbítrio, algo, para ele, tão estranho quanto uma laranja mecânica. 
“Eu era o 6655321, e não o seu velho drugui Alex, não, nunca mais.” Pág. 78
Eu já esperava muito de “Laranja Mecânica”, tendo visto o filme de Kubrick há algum tempo e me apaixonado completamente pela história e pelo protagonista. O livro de Burgess é bem diferente e as divergências entre ele e o filme, pelo menos para mim, são gritantes. Primeiro o protagonista é muito mais jovem e muito mais maléfico. Alex tem 15 anos no início da história e é um adolescente que não só pratica violência de todo tipo, mas sente grande prazer ao fazê-lo. Um perfeito sociopata, ele é violento, manipulador e impulsivo, que não sente nenhuma culpa em machucar quem quer que seja e que tem grande desprezo por normas e leis, além de um belíssimo e enorme ego. Alex é um transgressor conhecido na realidade de “Laranja Mecânica”, um referencial para tudo que há de errado e abominável com a juventude da época. Não acho que o livro traga mais uma realidade futurista, a violência está cada vez presente na sociedade de agora como na de “Laranja Mecânica”, o que, como vemos ao longo da história, traz uma resposta cruel e perigosa do Governo. O Estado do livro põe em prática táticas duvidosas de combate a violência, como transformar antigos delinquentes em policiais, mas a mais chocante do livro é o “tratamento Ludovico”, pelo qual Alex passa e o muda completamente. 

Outras diferenças estão quanto a trama propriamente dita. No livro ela é mais completa e explicativa, encontramos até mesmo certas “explicações” (nada muito concreto na verdade) para o nome “Laranja Mecânica”. A obra escrita tem outro aditivo: o 21º capítulo. Quem viu o filme e depois leu o livro, como eu, percebeu que a história acaba de um jeito completamente diferente, menos emocionante, é verdade, mas com muito mais sentido do que no filme. O livro, por ser mais complexo e bem explorado, tem seus personagens (inclusive nosso protagonista Alex) mais completos e convincentes, com um pouco de história própria, apesar de que personalidades não marcantes. Entretanto, é preciso lembrar que a história é contada por Alex, portanto muito de seu universo pode ser distorcido pela visão que ele tem ou quer ter daquele momento. 

Voltando a falar das expectativas para “Laranja Mecânica”, esperava que o livro fosse muito parecido com “1984” de George Orwell (resenha aqui), por isso a falta de semelhanças me surpreendeu. “1984” é um livro político, que trata mais sobre a sociedade como um todo e os condicionamentos a qual os governos a submetem. Particularmente vejo “Laranja Mecânica” como um livro mais social e filosófico, onde o foco é um individuo muito específico, que representa apenas um aspecto da sociedade: o de jovens extremamente marginalizados. O livro é também um convite a refletir sobre a miserabilidade e maldade humana. Alex é extremamente jovem e, como outros, já apresenta grande gosto pela sua tão amada ultraviolência. Roubos, espancamentos, brigas, estupros e muito mais atividades abomináveis são comuns e prazerosas para o garoto. Um lado que contrasta com o garoto que se sensibiliza com músicas clássicas, o que nos faz questionar se a maldade é algo natural dele ou um comportamento de origens externas ao individuo, mas que foi incorporado em sua personalidade. Entretanto, “Laranja Mecânica” também tem sua parte política, já que o Estado interfere na vida de Alex, exercendo grande influência no mesmo.

A narração de “Laranja Mecânica” também foi uma surpresa. Sempre reclamo de autores que não são fiéis a idade de seus narradores, mas Burgess extrapolou um pouco nesse quesito. Se já não soubesse que o livro foi escrito por um homem lá nos seus 40 e poucos anos, afirmaria de pés juntos que ele tinha sido escrito por um jovem não muito bom na escrita. A narração é repetitiva e quase infantil, o que somado as gírias do dialeto criado por Burgess para o livro, torna a leitura do mesmo difícil. Entretanto, conforme aprofundamos e descascamos ainda mais essa “Laranja”, acabamos nos acostumando a Alex e sua narrativa e, até mesmo arrisco dizer, nos apegando muito aos dois.

Não vou mentir, Alex e sua “Laranja Mecânica” estão entre os meus favoritos dos favoritos. Um verdadeiro show de horrores, o livro é uma obra complexa, mas divertida e reflexiva, que além de entreter e provocar o leitor, o faz pensar bastante. Um retrato da maldade, um apelo pelo livre arbítrio, uma trama carregada de simbolismos e significados, uma história sobre amadurecimento, “Laranja Mecânica” é um livro para os de estômago forte, que aguentam um protagonista maléfico e uma história difícil de engolir e ainda conseguem tirar o melhor de ambos. Simplesmente amei o livro, apesar da leitura um pouco difícil, e pretendo relê-lo em breve. Estranhamente, ou não tanto assim, não tenho vontade de ler outras obras de Burgess, pois no fundo, lá no fundo, considero essa “Laranja Mecânica” de Alex e não mais ninguém.

Quanto a edição, tenho poucas reclamações. A diagramação e tradução estavam boas, e apesar da adaptação das gírias inventadas por Burgess terem ajudado a deixar a leitura um pouco menos difícil, acho que a editora deveria tê-las deixado como no original. Entretanto, é perceptível que eles fizeram a edição de “Laranja Mecânica” com carinho, pois além do dicionário útil no final, o prefácio no início, apesar de longo, contém muitas informações interessantes e acaba ajudando o leitor a se situar no universo da obra. A capa é linda e combina com a história. 
“– Eu, eu, eu. E eu? Onde é que eu entro nisso tudo? Será que eu sou apenas uma espécie de animal ou de cão? (...) Será que eu serei apenas uma laranja mecânica?” Pág. 128

Obs.: espero que essa resenha tenha feito algum sentido rs. “Laranja Mecânica” é aquele tipo de livro que você gosta tanto que fica sem palavras ao mesmo tempo em que louco para dizer tudo o que puder sobre o livro. Tentei destacar só os pontos principais na resenha, que mesmo assim ficou enorme. Mas, acreditem, eu poderia escrever muito mais sobre essa obra maravilhosa. ;D

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20 comentários:

  1. isso tudo e o garoto tem só 15 anos? jesus!
    fiquei meio impressionada com a resenha. já sabia que o livro era mais ou menos assim, porque tinha ouvido falar sobre ele, mas não esperava que fosse tudo isso. estranho hahahaha
    favoritado? deve ser bom mesmo :P

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  2. Olá Ana!
    Você não imagina o quanto a sua resenha me incentivou a ler o livro!
    Adoro livros que nos deixam completamente sem palavras ao terminar de lê-lo!
    Espero ter a oportunidade de ler o livro logo ><
    Beijos,
    Ana M.
    http://addictiononbooks.blogspot.com.br/

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  3. Oi. Não conhecia este livro e espero que um dia possa ler e gostar.
    Parabéns pela resenha.

    Beijos
    http://fernandabizerra.blogspot.com.br/

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  4. Oi amiga, mesmo com sua resenha super positiva eu não leria este livro no momento.. foge do que estou gostando de ler no momento.. Porém gostei de conhecer um pouco do livro..

    Resenha Nova, confere lá
    http://www.dailyofbooks.blogspot.com.br/2014/01/resenha-principe-da-noite.html
    Beijos Mila

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  5. Este livro é uma das minhas metas de leitura pra esse ano. Apesar de ter sido escrito em 62, mostra a realidade que vivemos hoje: Jovens delinquentes cometendo crimes hediondos. Como você disse, um verdadeiro sociopata que sente prazer em ferir as pessoas. Um sádico criminoso.
    É um clássico que todos deveriam ler. E como amante da leitura, tenho esta como uma leitura obrigatória, que deste ano não passará.
    Espero gostar tanto dele quanto você gostou.

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  6. Eu já tinha ficado interessada por esse livro, mas esqueci dele há um bom tempo... sua resenha me deixou curiosa de novo, estou tentando ler os livros que já tenho, mas logo quero ler Laranja mecânica também.
    Beijos!
    http://sobrelivrosesonhos.blogspot.com.br/

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  7. Adorei a resenha, ficou muito boa e nos permitiu entender bem a estória do livro. Parece mesmo uma ótima obra, deve ser muito emocionante acompanhar o amadurecimento do personagem e gostei do fato de este livro nos permitir refletir, deve ser mesmo um ótimo livro!
    beijos ♥
    quemprecisadetvparaverbeyonce.blogspot.com.br

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  8. poxa, adorei tua resenha. Faz um bom tempo que li/vi a obra e preciso rever e reler xD
    texto muito bem escrito. Parabéns
    http://torporniilista.blogspot.com.br

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  9. Adoorei tua resenha, eu tinha ouvido falar pouco sobre esse livro, mas fiquei curiosa pra saber mais da história, quero lê-lo em breve :DD
    beeijos
    http://keetring.blogspot.com.br/

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  10. Eu assisti ao filme e amei, e isso já faz um bom tempo. Esperava pelo livro e fiquei deveras empolgada com sua resenha. Preciso encontrar o livro logo e ler.

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  11. Eu assisti ao filme e amei, e isso já faz um bom tempo. Esperava pelo livro e fiquei deveras empolgada com sua resenha. Preciso encontrar o livro logo e ler.

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  12. Oi, querida!
    Gostei muito dessa sua resenha gigantesca. O livro, pelo visto, é realmente incrível. Vou ver se o coloco na minha lista de desejados, pois até então não tive a oportunidade de lê-lo.

    Um beijo!
    Doce Sabor dos Livros - Aguardo sua visita!

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  13. adorei sua resenha, parabens... mas pensei q nunca mais iria terminar kkkkk !! eu nao acredito q tudo isso e sobre um menino de 15 anos :O enfim, nunca vi o filme e nem vou ver! nao faz meu estilo, e depois de ler a resenha enorme... realmente eu nao vou gostar :/
    beijos

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  14. Tá de parabéns você sabe usar bem as palavras. Já li algumas resenhas sobre este livro e estou com receio de ler este livro por dizerem que tem de se pegar o vocabulário muitas vezes, e a leitura sai demorada!

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    1. Oi,

      a minha leitura foi mesmo um pouco demorada, mas garanto que não é preciso pegar o vocabulário muitas vezes, você logo se acostuma com as palavras estranhas é possível entendê-las por causa do contexto! Tanto que, na versão original, o livro não tinha dicionário no final...

      Bjs

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  15. Oi Ana!! Ufa...Amiga que livro é esse!! Parabéns pela resenha esta super bem escrita pois o livro realmente parece ser bastante diferente e interessante, pois lendo sua resenha temos uma ideia da historia, das atitudes do protagonista, e confesso que fiquei chocada de imaginar um menino de 15 anos tendo estas atitudes. Não conhecia o livro e nunca vi o filme, tenho uma pergunta, qual você indicaria primeiro, a leitura do livro ou ver o filme já que você destacou que há diferenças sobre eles??
    Adorei conhecer o livro e aguardo sua resposta!! Beijos!!

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    Respostas
    1. Oi,

      primeiro, desculpa pela demora para responder, é que estou viajando e sem internet disponível! Bom, eu indico sempre a leitura do livro primeiro, pois assim você conhecesse a história de forma mais completa!

      Bjs

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  16. Adoro livros assim! Vou comprar com toda certeza.
    Foi a primeira resenha que eu li sobre ele, e já me apx! rs
    Beijos!

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  17. Esse é um dos pcs livros que não me pegou..não sei se leria =S

    http://livroaoavesso.blogspot.com.br/

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  18. O filme é meio angustiante,, gostaria mesmo de ler o livro. Gostei da sua analise, com certeza comprarei

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