21.11.13

Resenha: 1984 - George Orwell

Título: 1984
Título original: 1984
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-359-1484-9
Ano: 2009
Páginas: 416
Classificação: 5/5 [ótimo] - favorito
Sinopse: "1984" não é apenas mais um livro sobre política, mas uma metáfora do mundo que estamos inexoravelmente construindo. Invasão de privacidade, avanços tecnológicos que propiciam o controle total dos indivíduos, destruição ou manipulação da memória histórica dos povos e guerras para assegurar a paz já fazem parte da realidade. Se essa realidade caminhar para o cenário antevisto em 1984 , o indivíduo não terá qualquer defesa. Aí reside a importância de se ler Orwell, porque seus escritos são capazes de alertar as gerações presentes e futuras do perigo que correm e de mobilizá-las pela humanização do mundo.

Guerra é paz, Liberdade é escravidão, Ignorância é força. Viva o Partido!


O mapa do mundo de acordo com 1984. Em rosa, as áreas dominadas pela Oceania. Em laranja, a Eurásia e, em verde, a Lestásia. Em bege, as áreas sob disputa.


1984. Pista de Pouso Número 1, antiga Inglaterra. Londres. O Partido único que governa a Oceania está em sua melhor forma. Sempre em guerra ou aliança com a ou Eurásia ou Lestásia, seus habitantes levam uma vida regrada em uma sociedade dividida. No alto de tudo está o Grande Irmão, um governador de personalidade quase mística, jamais visto, mas que, como os cartazes com seu rosto colados por todos os lados afirmam, está sempre de olho em você. Ao lado dele está o Partido Interno, um pequeno e seleto grupo de privilegiados. São eles quem dão as ordens, mas o trabalho sujo mesmo é feito pelo Partido Externo, um amplo número de homens e mulheres que trabalham nos diversos Ministérios do Partido. Abaixo deles está a classe mais numerosa, que é social e politicamente insignificante: os proletas, homens, mulheres, adolescentes e crianças que seguem sua vida a margem do Partido, sem realmente se importar com aqueles que os governam. 

“A desigualdade era o preço da civilização.” (Pág. 240/241) 

Se os proletas tem relativa paz, os membros do Partido são constantemente perseguidos e vigiados pelo próprio Partido. O macacão azul que usam traz uma vida destinada para o Partido, apenas o Partido. Uma vida de obediência, vigilância e alienação. Ninguém acredita mais nas verdades do Partido que os próprios membros. Eles vivem a mentira que criam. Mas onde sempre houver opressão, sempre haverá resistência. E aqui, não é diferente. Seguindo os passos de Emmanuel Goldstein, um ex-membro do Partido Interno e agora maior inimigo da nação, muitos membros se rebelam, logo sendo detidos e vaporizados pela Polícia das Ideias, uma força policial do Partido que descobre e elimina inimigos a partir de seus pensamentos considerados criminosos, ou seja, qualquer pensamento que seja contrário ao partido. 

“Daqueles ventres possantes haveria de sair um dia uma raça de seres conscientes. Winston e Julia eram os mortos; o futuro pertencia aos proletas.” (Pág. 260)
Winston Smith é parte do Partido Externo, que trabalha em uma divisão do Ministério da Verdade responsável por alterar qualquer registro que desminta as verdades do partido. Em seu âmago, Winston é um rebelde. Ou quase. Apesar de perceber as incoerências, mentiras e formas de dominação cruel do Partido, o homem não tem coragem para fazer nada, o medo gigante apenas por pensar contra o Partido inibe qualquer ação real que ele pudesse exercer. Sempre observador, Winston começa a reparar em dois colegas do Ministério da Verdade: uma jovem e bela mulher, que parece ser um exemplar perfeito de membro do Partido e um homem cujo olhar é o suficiente para Winston crer que eles compartilham das mesmas ideias. Secretamente, Winston começa a desenvolver uma imagem do homem, O'Brien, assim como da mulher, Julia. Ao passo de que quase idolatra O'Brien, sem ao menos conhecê-lo verdadeiramente, ele odeia Julia com mesma devoção.
“’Eles não podem entrar em você’, dissera Julia. Mas podiam entrar, sim. ‘O que lhe acontecer aqui é para sempre’, dissera O’Brien. Era verdade. Havia coisas – atos cometidos pela própria pessoa – das quais não era possível recuperar-se. Algo destruído dentro do peito; queimado, cauterizado.” (Pág. 339)
Entretanto, as perspectivas de Winston mudam quando ele é abordado por Julia, que diz que o ama. Em encontros secretos, Winston vê seu ódio por Julia transformar-se em um imenso desejo e afeto pela mulher. Julia é também uma inimiga do Partido. Seu comportamento exemplar como membro é apenas fachada para uma rebeldia secreta, mas que Winston descobre ser quase vazia e fútil, pois envolve apenas dormir com outros membros do Partido e comprar produtos no mercado negro. Entretanto, os dois desenvolvem um grande amor que apenas incita ainda mais sua rebeldia. Cansado de viver no mundo que o Partido determina, Winston resolve ser um rebelde de reais ações e procura O'Brien, levando Julia consigo. Assim, eles iniciam um caminho sem volta, e com a morte certa, que os leva a conhecer a face mais cruel e real do Partido. 
“’Como um homem pode afirmar seu poder sobre o outro, Winston?
Winston pensou. ‘Fazendo-o sofrer’, respondeu.

‘Exatamente. Fazendo-o sofrer. Obediência não basta.” (Pág. 311)
“1984”, assim como seu autor George Orwell, são clássicos da literatura moderna. Já havia ouvido falar um pouco sobre ambos, mas dava pouco do crédito que merecem. A leitura de “1984” não é tão fácil quanto se espera e um pouco cansativa, mas, definitivamente uma das melhores que já fiz. Esse é mais que um romance distópico. É um retrato sobre dominação política, poder totalitário, controle e alienação. A princípio pode-se pensar que “1984” nada têm com a vida de hoje, que é apenas uma crítica as ideias socialistas tão difundidas e combatidas na época em que a obra foi escrita. Entretanto, uma análise mais profunda pode revelar a capacidade de Orwell de prever o futuro e algumas verdades assustadoras sobre a nossa realidade, que teimamos em ignorar.
“Poder não é um meio, mas um fim. Não se estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Faz-se a revolução para instalar a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objeto da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder.” (Pág. 308)
Não vivemos sobre o controle de um Partido único, mas não somos tão livres como imaginamos. A divisão de classes de “1984” entre Partido Interno, Externo e Proletas é apenas uma forma de se colocar a nossa (não tão assim) atual divisão entre as classes Alta, Média e Baixa – a primeira, com sua extensa vantagem econômica, se mantêm sempre no poder; a segunda, com sua relativa acessibilidade ao poder econômico e intelectual, sempre divida entre os que apoiam a primeira e os que resistem a ela; e a última, sem qualquer acesso decente a nada, sempre ignorada e subjugada a uma posição inferior e insignificante. Entretanto, a semelhança que mais me assustou foi a extensa dominação do governo sobre a população e a alienação dessa última. Nosso regime político democrático não é tão explícito quando os totalitários similares ao de “1984”, mas da mesma maneira não funciona para o povo, que é usado apenas para realizar os interesses de pequenos grupos que realmente comandam as nações. O controle mental, a alienação sobre a população é óbvia em “1984”, onde a mente das pessoas é tão maleável como qualquer outro objeto palpável. O nome em novafala, outra forma de controle do Partido, que visa reduzir o poder de comunicação e, logo, de resistência do povo (as palavras, literalmente, tem poder), é duplipensar: duplo pensamento, duplicidade de pensamentos, saber que está errado e se convencer que está certo. Pode parecer teoria da conspiração, mas essa é uma prática muito comum nos dias de hoje. Propaganda é a alma do negócio e das formas de controle. Hoje em dia, por exemplo, sabemos que não devemos comprar tanto, que produzimos muito lixo, mas continuamos comprando mesmo (meio) cientes de que não precisamos e poluindo, como se no fundo acreditássemos que os problemas ambientais são apenas mitos. 
“Em Velhafala isso recebe o nome muito direto de “controle da realidade”. Em Novafala, é duplipensamento. (...) Duplipensamento significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas.” (Pág. 252)
Mas o modo mais criativo, pelo menos para mim, é a cultura literalmente produzida, sem nenhuma veia ou alma artística. O Ministério da Verdade produzia tudo relativo a entretenimento em “1984”. De jornais a livros, a músicas e filmes (até mesmo pornográficos), tudo é feito dentro das paredes do Partido. As histórias são criadas por máquinas, afinal é imprescindível que uma população sobre controle não tenha imaginação ou pensamentos próprios, tornando-as não arte, mas produto e, logo, forma de controle. Hoje, 2013, as manifestações artísticas podem não ser controladas pelo governo, como em “1984”, mas definitivamente são controladas por uma coisinha chamada Mídia, que exerce sua forma própria de dominação. Ok, nossas histórias ainda são escritas por mãos humanas que digitam sobre máquinas, mas será que são genuínas peças artísticas, um reflexo da sociedade, ou apenas produtos das “máquinas fazedoras de histórias” interiorizadas na nossa mente, que visam apenas o lucro e o entretenimento que o produto vai causar? Qualquer bom leitor sabe que hoje é difícil encontrar uma história que valha a pena ler, que não seja verdadeiramente "mais do mesmo". A mesma situação se repete quanto a músicas e filmes. Nossa disseminação de informações não é exatamente um reflexo de liberdade. Não é de hoje que a imprensa manipula as informações a seu favor, como Winston e seus colegas faziam, mas há cada vez menos verdades e realidade em tudo que é produzido pela tal da Mídia. Televisões, computadores, celulares, as telas brilhantes que parecem nunca desligar, fazem o trabalhinho sujo de espalhar mentiras e meias verdades, implantando-as inconscientemente na nossa mente - qualquer semelhança com as teletelas de “1984”, que não podiam ser desligadas e cuja programação era definida pelo Partido, não é coincidência. 
“ (...) a mentira tornava-se história e virava verdade. ‘Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.” (Pág. 47)
Os personagens de “1984” também são um ótimo exemplo de como a obra dialoga com a nossa realidade. Winston, nosso protagonista, é um homem amargurado, que percebe que a sociedade onde vive está completamente errada, mas que não tem coragem para manifestar-se e rebelar-se. No fundo, sua mente crítica de nada lhe serve, pois ele é controlado assim como todos os outros membros do Partido e, no final, acaba cedendo até mesmo seu intelecto, suas convicções e sua alma a tudo que repudia. Já Julia, como Winston mesmo diz, é “rebelde da cintura para baixo". Diferente do que Winston e nós leitores esperávamos, ela não tem real rebeldia contra o Partido, não se importa com o modo que ele conduz as coisas enquanto consegue seguir sua vida “rebelde”, que se resume a buscar apenas o prazer e bem próprio. Se pararmos para pensar, será que somos diferentes do casal de “1984”? Quantas vezes não vemos algo errado, que vai contra o que acreditamos ser certo, e pensamos o quanto aquilo é errado e até expomos nossa opinião, mas, no final, não fazemos nada para mudar tal situação e apenas continuamos com nossa vida? Só posso responder por mim, mas digo que muitas e muitas vezes, diariamente.

A trama de “1984”, assim como os personagens, não é complexa ou algo que nunca tenha se visto antes. Mas como Orweel mesmo afirma na obra, “os melhores livros são aqueles que lhe dizem o que você já sabe”. O interessante de “1984” foi o universo criado pelo autor, ao mesmo tempo tão distante e próximo a nós, como um sonho fantasioso baseado em memórias reais. “1984” abre nossos olhos para coisas que sabíamos existir, mas que recusávamos a realmente ver. E é isso que torna a obra tão apaixonante, ao ponto de conquistar um lugar entre os favoritos dos favoritos: os livros que nunca esqueço, que sempre recomendo e releio, e cujos autores amo. George Orwell conquistou um lugar em meu coração e preciso desesperadamente de outras obras suas.

Quanto a edição do livro, não tenho nenhuma reclamação. A tradução estava perfeita, assim como a diagramação. As páginas amareladas são sempre um detalhe que adoro e o tipo da fonte estava bom, apesar de que achei o tamanho dela um pouco pequeno. A capa é simplesmente divina e combina perfeitamente com a trama.

“Ao futuro e ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não possa ser defeito.” (Pág. 39)

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12 comentários:

  1. esse livro é incrível. Adoro a escrita de Orwell. Sua resenha foi muito bem escrita, parabéns ^^
    http://torporniilista.blogspot.com.br/#

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  2. Oi Ana!
    Sua resenha está perfeita!
    Sou suspeita para falar pq sou apaixonada pela obra de Orwell, que considero mais do que contemporânea, classifico como atemporal.
    Como vc disse: um universo tão distante e ao mesmo tempo tão próximo!
    É impressionante a relação que vc fez com o partido e a atual mídia: onde a cultura sem arte é construída de maneira controlada.
    os quotes escolhidos dão o toque, o q e as nuances da obra!
    Parabénsss!
    Bjsss

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  3. Muito boa sua resenha. Já tem um tempo que eu quero ler esse clássico distópico.
    Tem outra distopia, Admirável Mundo Novo, também está na minha lista
    Abraços

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  4. Oi amiga, não é um livro que leria no momento, mais anotei a dica, quem sabe no futuro eu me renda a este estilo de literatura, mais por enquanto to fugindo de clássicos da literatura moderna..
    beijos Mila
    http://dailyofbooks.blogspot.com.br/

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  5. Sério, eu morro de vontade de ler esse livro, mas nunca tive a oportunidade..
    Adorei sua resenha, vou procurar para comprá-lo o mais rápido possível!

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  6. Oie
    eu sempre tive vontade de ler esse livro, mesmo imaginando que a leitura seria difícil e um pouco "cabeça" demais pra mim rs
    mas amo distopias, e clássicos, então esse está na lista de leituras obrigatórias pra ontem. Adorei a resenha, foi a primeira que li sobre o livro, e esclareceu muita coisa pra mim.
    bjos
    www.mybooklit.com

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  7. Olá Ana!
    Que resenha caprichada, adorei *-* Dá para perceber o quanto você gostou do livro, rs.
    Mas, infelizmente, mexe com história, então não é comigo, rs.
    Fujo de tudo que tenha algum assunto histórico. Não consigo ler.
    Beijos,
    Ana M.
    http://addictiononbooks.blogspot.com.br/

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  8. Não esperava que p livro fosse assim.
    Fiquei encantada com a resenha, a capa não chama muita atenção, mas depois de ler a resenha quero logo ler .
    Um dos seus favoritos.

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  9. Estou lendo 1984 e simplesmente é um dois melhores livros que eu já li. É um que nos leva a questionamentos profundos, desde questionarmos a sociedade no geral quanto a religião individual.
    Um livro marcante de criticas fortes ao sistema.
    A analogia do duplipensamento é incrível, a primeiro momento não dá pra enteder o exato significado, mas quando terminamos o livros fica tudo muito claro e percebemos que a "distopia" do livro é exatamente a nosso sociedade atual.
    Eu garanto, que ler esse livro com verdadeira vontade vaia desejar fugir do sistema no final.

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  10. Acho que nunca li uma resenha tão grande e tão completa rs dá vontade de sair correndo para ler o livro. Do autor li A Revolução dos Bichos e fiquei impressionada com o dinamismo e pensamentos do autor. Em breve lerei 1984 ;)

    Beijos,
    Jhey
    www.passaporteliterario.com

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  11. Sua resenha realmente está demais. Eu já estive com esse livro em mãos para comprar e desisti e agora me arrependo, poque após ler sua resenha, deu-me uma vontade enorme de ler. Vou ter que correr atrás novamente.

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  12. Sua resenha está INCRÍVEL!!
    Acho que o maior mérito de 1984 é justamente esse, princípio olhamos e nos distanciamos daquela situação, mas conforme refletimos, percebemos que a coisa é muito mais próxima da realidade do que pensamos.
    Demorei muito tempo para lê-lo e deveria ter feito antes, agora estou aqui querendo muito conhecer outras obras desse autor.


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    ourbravenewblog.weebly.com

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